Já pensaste nos teus vizinhos hoje?

Os meus vizinhos não são só parte do cenário. Os meus vizinhos são, eles mesmos, o cenário, e não meros habitantes das casas que compõem a localidade que a minha família escolheu como lar há quase 20 anos.

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Nuno Ferreira Santos

Tenho a sorte inestimável de morar entre duas outras casas que pertencem a famílias generosas nos afectos, na partilha material e na convivência positiva. À volta, um bairro suburbano com vista para o pinhal vai aumentando ao longo dos anos, bairro esse onde os locais gostam de fazer caminhadas, passear os cães ou andar de bicicleta. Não acredito que seja tudo bom e bonito, mas aqui diz-se bom dia, boa tarde e boa noite, trocam-se bolos caseiros, couves da horta e conselhos para cuidar do jardim, e muitas crianças das mesmas ruas brincam juntas.

Os meus vizinhos não são só parte do cenário. Os meus vizinhos são, eles mesmos, o cenário, e não meros habitantes das casas que compõem a localidade que a minha família escolheu como lar há quase 20 anos. Ainda bem que assim é: durante esta época de quarentena profiláctica, com menos interacções sociais, em que temos passado quase todo o nosso tempo em casa, eles têm contribuído para a diminuição da sensação de isolamento, tanto aqueles com quem partilho muros, quanto os que avisto mais de longe.

Graças à evolução tecnológica, dos transportes, dos meios e das vias de comunicação, os limites geográficos que caracterizam uma vizinhança têm-se diluído. O sítio onde supostamente “vivemos” pode tornar-se apenas o sítio onde vamos dormir, quando as nossas actividades diárias passam por sítios longínquos: o local de trabalho, a casa dos amigos e familiares, os espaços de lazer, os espaços de comércio...

Por causa da descentralização da nossa vida quotidiana, as fronteiras do “bairro” alargam-se a um espaço mais vasto e indefinido, tal como se dissolve a identidade de zonas que passam a ser dormitórios. Assim, já não é tão importante saber quem vive tão perto, quem são estes indivíduos ou famílias com quem nos vamos cruzando e trocando palavras de circunstância.

No entanto, porque agora estamos em casa sempre que possível, as relações com os vizinhos renovam a sua relevância. Os nossos vizinhos podem constituir uma rede de ajuda mais imediata. Por viverem à distância de uma campainha, representam, em primeiro lugar, um suporte emocional e instrumental — vejam-se os grupos de apoio formados desde o início da pandemia, para ajudar vizinhos nos grupos de risco, doentes ou com pouca mobilidade, não podendo deslocar-se para obter bens e serviços, ou sequer contacto humano presencial. Até nem é preciso sermos os melhores amigos do mundo, só é necessária uma relação superficial para combater o isolamento percepcionado.

Em segundo lugar, as redes de vizinhança recuperam um valor simbólico de relação pessoal com a área de residência. Ao passarmos mais tempo lá, e com os nossos vizinhos, acabamos por reconstruir uma identidade partilhada ou sentimento de pertença, de comunidade e ligação afectiva. Mesmo de forma inconsciente, sentimo-nos mais motivados a cooperar e a contribuir para a comunidade próxima quando nos vemos como parte desse todo.

Por isso, gostava de deixar um elogio a todos os bons vizinhos que estejam a ler este texto. É por causa de bons vizinhos que as comunidades florescem, constituindo a base da sociabilidade, da vida cívica pacífica, participativa e coesa. Aproveitando esta deixa, podemos reflectir sobre como contribuir para o bem-estar de todos, incluindo o nosso e das nossas famílias, e manter ou iniciar uma relação reciprocamente positiva, proveitosa com os nossos vizinhos ou moradores da mesma zona.

Já pensaste nos teus vizinhos hoje?

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