A regionalização na gaveta?

A estrutura centrífuga, há muito em vigor, não resulta. Apenas beneficia os grupos de interesse e as burocracias acantonadas na capital. Tudo permanecerá na mesma encruzilhada, sem a participação das regiões, enquanto agentes de desenvolvimento e convergência.

É muito importante que no debate pré-eleitoral e eleitoral, das eleições presidenciais, se discuta com seriedade os verdadeiros problemas do país.

O enfadonho processo de ilusionismo em curso já cansa. A austeridade não acabou. O empobrecimento de Portugal e dos portugueses é uma realidade escancarada, há muitos anos. E não há propaganda ou foguetório capaz de esconder a nossa estagnação e a nossa falta de desígnio colectivo.

Mesmo que seja conveniente para os actuais protagonistas políticos ignorarem a situação de um país que vai definhando, ano após ano, face aos nossos parceiros europeus, é um dever patriótico introduzir no debate público as verdadeiras razões dos nossos bloqueios e dos nossos persistentes erros. Não podemos continuar a acreditar em milagres. Não estamos no rumo certo. E o custo para as próximas gerações será demasiado elevado.

O rendimento dos portugueses afasta-se todos os anos do rendimento médio dos outros europeus. A carga fiscal é assoberbante. A dívida pública gigantesca. Continua a pairar em todos os sectores da administração uma burocracia bizantina e anacrónica. Os custos de contexto são brutais. Continuam a agravar-se as assimetrias entre portugueses e entre as regiões portuguesas. Para segurar o défice mantiveram-se as cativações durante anos.

O investimento público nunca foi tão residual. Tancos, Pedrógão e restantes fiascos nunca existiram, mas deram-nos uma imagem da actual inoperância do Estado. Apesar dos habituais panegíricos ao regime constitucional, mais de 50% dos portugueses já não votam em eleições. A emigração qualificada voltou a aumentar. O saldo natural negativo de nascimentos é o maior dos últimos anos. Os concelhos interiores do país estão cada vez mais desertificados. A regionalização continua na gaveta.

A regionalização, ao contrário do que alguns pensam, jamais será um factor de desagregação do país, mas antes uma prioridade nacional para romper o actual marasmo e garantir o desenvolvimento consistente de Portugal.

Vivemos, em pleno século XXI, num dos Estados mais centralistas da OCDE e da União Europeia. Um centralismo que foi construído à base de mitos e receios irracionais, e que hoje não existe na larga maioria dos Estados modernos e democráticos. Um centralismo que tem contribuído para a apatia e desmobilização de recursos e vontades. Que tem ignorado a importantíssima participação do factor regional nas políticas de desenvolvimento. Que tem afastado os cidadãos e os agentes económicos dos actos da Res publica que lhes dizem respeito. Que tem promovido desnecessariamente assimetrias entre cidadãos e entre regiões portuguesas. Que tem contribuído para gerar um país macrocéfalo, centrado em Lisboa, e a consequência é que todos perdem e ninguém beneficia.

Quase todos os países europeus concretizaram há muito processos de regionalização que lhes asseguraram processos de desenvolvimento mais rápidos e harmoniosos que os nossos.

Hoje, as regiões europeias e os poderes regionais eleitos são agentes políticos ouvidos, respeitados, considerados e sempre presentes na agenda da União Europeia.

Não podemos ter a arrogância de pensar que nós estamos no caminho certo e que todos os outros estão enganados.

Afirmar que o Canadá, a Dinamarca, a Suíça, a Suécia, quatro dos países mais desenvolvidos e descentralizados do Mundo, estão errados, e que Portugal e a Grécia, dois dos mais centralizados, estão certos não deixa de ser um absurdo.

As crises são também oportunidades para a mudança. As anunciadas transferências de fundos europeus e de crédito barato serão mais uma oportunidade perdida para o país, se não forem aplicados num quadro de uma descentralização efectiva do território continental português, tendo em conta as cinco regiões naturais existentes.

A estrutura centrífuga, há muito em vigor, não resulta. Apenas beneficia os grupos de interesse e as burocracias acantonadas na capital. Tudo permanecerá na mesma encruzilhada, sem a participação das regiões, enquanto agentes de desenvolvimento e convergência.

A regionalização do continente português é um hoje um imperativo de equidade democrática e de desenvolvimento integral de Portugal.

A Comissão Independente para a Descentralização, criada pela Assembleia da República, realizou um exaustivo e meritório trabalho sobre a regionalização, cujas conclusões foram entregues aos titulares dos órgãos do Estado em Julho de 2019. A partir daí nada se passou.

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