Isto não é um filme americano!

Defendamo-nos do Racismo. Clamemos por uma lei inequívoca e por justiça nos tribunais, para que não haja qualquer semelhança entre este filme de terror e a nossa realidade futura, porque as semelhanças que existem não são pura coincidência.

Defendamo-nos do Racismo. Clamemos por uma lei inequívoca e por justiça nos tribunais, para que não haja qualquer semelhança entre este filme de terror e a nossa realidade futura, porque as semelhanças que existem não são pura coincidência.

Tomar partido contra Trump é aceite em qualquer tasca. Falar mal dos malandros da América também. Ser solidário é só humano. Nada tem de extraordinário ou activista. Nada tem de “antifa” ou de anti-racista. Precisamos agora de tirar ilações e sermos consequentes.

É muito difícil olhar para dentro de cada um de nós, de nossa casa, do país onde vivemos e aproveitarmos para assumir compromissos para que nada semelhante se replique nas proporções monstruosas que fazem parte da realidade de sempre nos Estados Unidos ou no Brasil. Não há nada de novo. Desta vez foi filmado e fomos colocados como testemunhas sem possibilidade de virar a cara, especular ou relativizar.

O #QueremosoJovemNegroVivo no Brasil ou o #BlackLivesMatter nos Estados Unidos são movimentos anti-racistas que não apareceram agora e não se limitam a hashtags. São movimentos que nascem de casos concretos, vidas perdidas e que são assentes em estatística repetida e confirmada diariamente. Cá temos outros números que evidenciam o mesmo problema de raiz mas não abraçamos a causa cá. Não somos tão solidários com vítimas de racismo cá.

Em Portugal não conseguimos olhar para a estatística de um estudo europeu que denuncia que uma assustadora fatia de cidadãos acha que há raças inferiores; ou para a da Universidade de Coimbra, que revela que em dez anos não tivemos um só polícia condenado por conduta racista e ainda que 80% dos casos são arquivados (artigo de Joana Gorjão Henriques no PÚBLICO). O que querem estes números dizer? Que não há racismo na polícia? Ou que temos muita facilidade em lidar com racismo noutros países mas que, por cá, não conseguimos assumir o crime?

Para além do tratamento mediático sobre o que se passa, focando a temática nos Estados Unidos como sendo um fenómeno americano, caímos em cima da figura do seu Presidente, por não pedir desculpas, e muito bem; mas, em Portugal, o Presidente da República é intocável e, sobre todos os governos, a nossa lei continua a remeter a prática de racismo para a figura de uma contra-ordenação, com casos arquivados atrás de casos arquivados. E a nossa Lei da Nacionalidade continua a deixar pendurados muitos casos de afro-descendentes, dividindo famílias ao meio nos seus direitos a cidadania. Há aqui que assinalar que há regime de excepção para outras descendências.

Condenámos em praça pública um activista por dizer “a bosta da bófia” numa rede social, depois de acções de violência policial, mas aceitamos como rotineira a ofensa e o discurso de ódio em plena Assembleia da República sem quaisquer consequências políticas ou que, a existirem, são o aumento estatístico na intenção de voto no partido que as propaga. Damos espaço a uma deputada negra e seu partido num momento de polémica que envolveu, entre outras questões, um nacionalismo bacoco, mas não relevamos a causa anti-racista da deputada ou do partido. Estamos a gaguejar há tempo demais neste tópico e, parecendo, não estamos a ver um filme americano. Como cidadãos, ativistas de circunstância e media que deram espaço a este tema como nunca, podemos agora honrar vidas e dignidade humanas, reclamando por leis sobre o racismo e a nacionalidade bem resolvidas e sem pontas soltas. 

Não basta sermos solidários ou termos melhores números do que os Estados Unidos. Temos um problema. Queremos resolvê-lo? Sonhemos então em sermos Campeões do Mundo na Luta Contra o Racismo. Temos de começar por melhorar a defesa, porque a capacidade de ataque já nos é inata. 

Defendamo-nos do Racismo. Clamemos por uma lei inequívoca e por justiça nos tribunais, para que não haja qualquer semelhança entre este filme de terror e a nossa realidade futura, porque as semelhanças que existem não são pura coincidência.

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