Covid-19: transição digital e teletrabalho

Agora que se assiste ao desconfinamento, a questão que se coloca é a de saber: regressarão as dinâmicas organizativas e de controlo tradicionais, com a lógica presencial e o regresso aos locais dos estabelecimentos? Importa aprender com esta experiência e fazer uma análise das dificuldades vividas, individualmente e a nível da organização.

Como é sabido, na sequência da declaração por parte da Organização Mundial da Saúde (OMS), a 30 de Janeiro de 2020, da situação decorrente da covid-19 como uma emergência de saúde pública e, a 11 de Março de 2020, como pandemia internacional, em Portugal foram aprovadas um conjunto de medidas extraordinárias destinadas a assegurar não apenas a prevenir o elevado risco de contágio desta doença, como também a mitigar os impactos socioeconómicos advenientes desta epidemia.

O decreto que procedeu à execução da declaração do estado de emergência efetuada em 18 de Março incindiu, designadamente, sobre a matéria do exercício de funções profissionais a partir do domicílio, estabelecendo uma medida excepcional e temporária de protecção dos postos de trabalho, no âmbito da pandemia, tornando obrigatória a adopção do regime de teletrabalho, independentemente do vínculo laboral, sempre que as funções em causa o permitam. Mas não suspendeu as actividades de comércio electrónico, nem as actividades de prestação de serviços que sejam prestados à distância, sem contacto com o público, ou que desenvolvam a sua actividade através de plataforma electrónica.

Com a prossecução da actividade laboral em regime de teletrabalho, esta forma de organizar o trabalho expandiu significativamente em todos os países da União Europeia, com mais de um terço das pessoas com emprego a começarem a trabalhar à distância em resultado da pandemia. A verdade é que a pandemia de covid-19 acelerou a transição para a sociedade digital, através do forte aumento do uso do teletrabalho. O teletrabalho chegou de forma repentina e muito significativa à vida de milhões de europeus, e estudos recentes estimam que quase 40% dos trabalhadores na União Europeia tenham reconfigurado a sua actividade para teletrabalho em consequência da pandemia.

Ora, agora que se assiste ao desconfinamento a questão que se coloca é a de saber: regressarão as dinâmicas organizativas e de controlo tradicionais, com a lógica presencial e o regresso aos locais dos estabelecimentos? Importa aprender com esta experiência e fazer uma análise das dificuldades vividas, individualmente e a nível da organização. É que, como têm alertado alguns especialistas, novos surtos desta doença (por exemplo, no próximo Outono, estação do ano propícia a um agravamento da pandemia) ou idênticas pandemias podem vir a repetir-se a curto prazo, pelo que importa acautelar semelhantes situações e preparar-nos para essas situações.

É preciso que, numa retoma de actividade presencial, em nome da defesa da saúde pública, se adopte uma estratégia preventiva, ajudando as organizações a compreender os riscos para a saúde das pessoas. Desde logo, atendendo ao direito, constitucionalmente consagrado, à prestação do trabalho em condições de segurança e saúde no trabalho, sobretudo em ambientes fechados, onde o risco de contágio é muito superior à que ocorre em espaços abertos.

Nesta medida, o teletrabalho será uma boa alternativa para manter actividades e executar trabalho, salvaguardando a saúde dos trabalhadores e evitando uma paralisia da actividade económica. Em ambiente de aumento crescente da competitividade, as empresas vêem-se obrigadas a explorar todas as potencialidades em matéria de produtividade e de eficácia, e a capacidade de proceder a adaptações em situações imprevisíveis torna-se condição importante para um consequente êxito económico.

Sendo uma forma de trabalho bastante apoiada nas Tecnologias de Informação e Comunicação, com o teletrabalho criam-se novas exigências laborais. O regime do teletrabalho consagrado no Código do Trabalho desde 2003 é amplo, possibilitando modalidades diversas, desde o teletrabalho realizado a partir de telecentros, o teletrabalho a partir do domicílio, do trabalhador ou do cliente, ou o teletrabalho itinerante.

Mas é, sobretudo, no caso do teletrabalho no domicílio que o actual regime de teletrabalho suscita diversas e pertinentes reflexões, pela ambiguidade de algumas das suas disposições. Desde logo, relativas ao facto de, sendo esta uma forma de execução da prestação de trabalho à distância mas controlada pelo empregador, dever respeitar um período normal de trabalho contratualmente definido, com repercussões no plano do exercício dos poderes do empregador no contrato de teletrabalho. Depois, no que respeita à determinação concreta das condições de prestação de teletrabalho. E, por fim, ainda no que concerne à própria capacidade de fiscalização da Autoridade para as Condições de Trabalho. Pelo que, estimando-se a prazo um significativo aumento do recurso ao regime da prestação subordinada de teletrabalho, seja necessário que, numa eventual revisão do seu regime jurídico, se procure acautelar aspectos fundamentais, garantindo, a todos os níveis, adequadas condições de trabalho.

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