Dia 57: diz-me que lugar ocupas na fratria e dir-te-ei quem és

Uma mãe/avó e uma filha/mãe falam de educação. De birras e mal-entendidos, de raivas e perplexidades, mas também dos momentos bons. Para avós e mães, separadas pela quarentena, e não só.

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@DESIGNER.SANDRAF

Querida Ana,

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Estive a pensar nas irmãs mais velhas. Sendo a sétima de oito, a quarta de quatro irmãs, vi sempre as coisas pelo lado da mais nova, aquela que nunca tem sapatos em primeira mão, que faz os recados e procura desesperadamente encontrar um nicho de mercado que ainda não esteja ocupado, mas que encontra sempre alguém que lhe dê colo, se alie com ela contra o inimigo, lhe leia histórias para adormecer. A que nasce sem saber que há sequer crianças que não têm de dividir tudo e a que aprende depressa a aproveitar os tempos de antena que lhe concedem (parece-me que é por isso que falo tão depressa), a que cresce a aceitar que a sua opinião vale um bocadinho menos, “porque ainda é uma miúda”. E a que se lamenta por não poder fazer as coisas que os mais velhos já fazem.

Venero os meus irmãos e tenho uma dívida de gratidão imensa para com as minhas três manas que são um pilar da minha existência, e me ajudaram tanto a ser mãe e depois avó, não só pelo exemplo, mas porque vos adoptavam constantemente — quantas vezes vos trouxeram da escola porque eu estava a fechar uma revista, organizaram campos de férias e fizeram-me sentir menos mal por não estar mais presente. Mas, apesar disso, nunca tomei bem consciência de como deve ser difícil ir vendo chegar cada vez mais bebés que roubam a atenção dos nossos pais, consomem os recursos da família, gritam e berram quando queremos estudar, fazem birras à frente dos primeiros namorados que convidamos lá para casa, “usam-nos” como babysitters  e, quando protestamos contra os maus-tratos que a insuportável mana mais nova nos inflige, ainda levamos um raspanete porque “ela tem metade do teu tamanho”. Sim, também há mais isso: os pais pedem aos mais velhos que sejam responsáveis muito cedo, dizem-lhes coisas como “nem parece da tua idade”, mas muitas vezes fazem dos mais novos Peter Pans, porque sabem que são os últimos bebés que vão ter.

É verdade que uma parte importante desta factura paguei-a tomando conta dos teus primos mais velhos, que objectivamente fizeram as vezes de irmãos mais novos, mas mesmo assim lembro-me de um amigo, irmão mais novo, me dizer que os primeiros sentiam que o bolo inicial que tinham recebido enquanto filhos e netos únicos, tinha passado a vida a ver-lhe subtraída mais uma fatia.

Lembrei-me disto ao ver as tuas filhas mais velhas a serem autênticas mãezinhas para o Mini E., e aquela criatura de 2 anos a “manipular” o ponto fraco de cada uma, chamando pela que lhe parece que, naquele momento, está mais virada para lhe atender as exigências. Mas, também não me esqueci do dia em que ele, ainda mínimo, rasgou o desenho que a M. tinha feito para o Pai, e ela tão zangada e triste, andava de um lado para o outro desesperada porque “não é justo, não lhe posso bater” — se a memória não me falha acabou por fechar a gémea na dispensa, porque era evidente que alguém tinha de pagar!

Diz-me, uma mãe deve ou não meter-se nestas guerras?


Querida Mãe,

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Quanto mais olho para as dinâmicas entre os meus filhos mais percebo que é impossível ignorar como o lugar que ocupam na fratria influência tanta coisa. É, de facto, muito diferente ser a mais velha, do que ser a do meio ou a mais nova. Mas não é uma coisa negativa, é só uma constatação de que os pais acabam por exigir coisas diferentes a cada um (também muda se são rapaz ou rapariga), que os irmãos acabam por ter constrangimentos e benefícios consoante a ordem de nascimento.

Parece-me que há coisas que se vão diluindo à medida que a família cresce: para os mais velhos ter um irmão pela primeira vez nunca será a mesma coisa do que depois ter mais um, dois ou três. Cá em casa ainda há o detalhe de não haver apenas uma mais velha, mas duas, que não só partilham esse lugar de poder, como nunca conheceram uma realidade de uma mãe e pai só para elas. Ainda assim, muitas pessoas imaginam que por isso têm menos ciúmes dos irmãos, o que não é mesmo verdade. É assunto para outra carta, mas há uma força interna gigantesca em se ser único, em se ser especial, e os gémeos vivem um dilema entre a natural competição e a lealdade que sentem um pelo outro.

Voltando à sua carta: se uma mãe se deve meter nestas guerras? Infelizmente, por mais que o tente evitar vai, no mínimo, ser obrigada a ouvi-los, o que por si só, já é muito cansativo!

A experiência diz-me que a minha presença aumenta automaticamente o conflito, por isso evito intervir imediatamente porque, às vezes e como que por milagre, a coisa resolve-se sozinha. Se começar a escalar demasiado e tivermos que interferir, recomendo largar a ideia de que somos uma equipa S.W.A.T. que vai entrar a matar, inspirando-nos antes naqueles filmes de sequestros em que há sempre um negociador que tira o colete à prova de balas, entra de mãos no ar, e mostra-se o mais calmo, mais neutro e mais compreensivo ser humano à face da Terra. Mesmo que isso implique dizer que “Sim, claro, podemos pensar em oferecer-te um jacto privado e cem milhões de dólares... Falamos nisso mais tarde quando já estivermos todos mais calmos”!

E assim acabo o meu minuto de “conselhos irrealistas” da semana!

Beijinhos!


No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram

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