Árbitros e equipas no mesmo avião: enredo incómodo e de resultado incerto

Para o regresso da I Liga, os árbitros que vão dirigir os jogos na Madeira vão deslocar-se no mesmo avião da equipa visitante. Uma facilidade logística, financeira e sanitária que poderá ser uma “bomba” de polémicas.

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Os árbitros nomeados para irem à Madeira viverão uma viagem desconfortável LUSA/JOSÉ GOULÃO

Cenário: a equipa de arbitragem comete um erro contra a formação que está a defrontar o Marítimo, na Madeira. Horas depois, na viagem de regresso ao continente, os árbitros estarão sentados no mesmo avião da equipa lesada por uma má tomada de decisão. Faz sentido? Para Pedro Henriques, ex-árbitro da I Liga, não. E poderá ser uma trama com efeitos perversos neste regresso da I Liga.

“A arbitragem é o parente pobre do futebol. Decidirem isto assim é quase dizerem ‘eh, pá, agora temos de levar esta rapaziada [árbitros] para a Madeira... Bom, vamos pô-los no avião dos jogadores’. Na ida, não é muito constrangedor, mas, se algo não correr bem, o regresso vai ser um problema. Há erros em campo e esses erros têm repercussões na reacção das pessoas”, começa por apontar, ao PÚBLICO. E vai mais longe, ilustrando até o próprio desconforto dos árbitros.

“Imaginemos que a equipa se sentiu prejudicada. Na viagem de regresso, os árbitros estão a falar entre eles e estão os quatro a rir por uma razão que até pode não ter nada que ver com o jogo. Pode ser de uma anedota. O que vai passar para os jogadores é que os árbitros estão a gozar com eles. E qualquer gesto que o árbitro faça pode estar a ser filmado por um telefone”, alerta, aconselhando que, na viagem de avião, os árbitros devem ser naturais, “não se escondendo a um canto”, mas devem ter precauções, como o cuidado na exteriorização de comportamentos, emoções e linguagem corporal.

Pedro Henriques crê que as equipas e os árbitros são honestos, mas que está em causa a imagem exterior de profissionalismo. “O melhor é evitar o pior. É importante dar os sinais exteriores de que as pessoas não vão encontrar-se antes e depois dos jogos”, argumenta, reconhecendo que, mesmo involuntariamente, os árbitros vão ter na cabeça o regresso a casa com a equipa visitante.

Por que motivo os árbitros têm de viajar com as equipas?

Este contexto acontece porque os árbitros, tal como os jogadores, estão sob um regime de especial protecção nesta fase de pandemia, de forma a poderem estar presentes nos jogos de futebol sem que isso acarrete riscos de contágio por covid-19. Também eles estão sujeitos a um dever de recato e escalados para testes frequentes à doença.

Não podem, portanto, ser colocados em qualquer voo comercial em direcção à Madeira, mas sim nos aviões charter destinados às equipas e que, em tese, lhes darão maior protecção contra o vírus.

Apesar de reconhecer que as alternativas não eram muitas, Pedro Henriques crê que não seria assim tão utópico investir na protecção dos árbitros. “Esta é a solução mais económica, mas, com tanta despesa extra que vai existir neste regresso do futebol, não se conseguiria arranjar uma solução para que os árbitros não viajassem com as equipas?”, questiona.

Jornada 29 será foco de problemas

Em todo este cenário há um dado adicional: entre as duas equipas que lutam pelo título, apenas o Benfica terá uma viagem à Madeira, dado que o FC Porto já defrontou o Marítimo fora de casa nesta temporada.

Daqui não será difícil deduzir que, na jornada 29, quando a comitiva do Benfica e a equipa de arbitragem designada viajarem para a Madeira, poderá existir um foco de problemas e os árbitros estarão debaixo de fogo: da parte do Benfica, na viagem de regresso, caso os “encarnados” tenham sido prejudicados, ou da parte do FC Porto, caso tenha existido um erro a favorecer o rival.

Há, no entanto, um ponto que protege o árbitro. Caso algum jogador, dirigente ou treinador dirija um “bitaite” aos árbitros, o incidente terá de ser descrito no relatório e poderá acarretar medidas disciplinares por parte do Conselho de Disciplina.

Algo que, para Pedro Henriques, poderá ser outro foco de turbulência. “Se um jogador ou treinador for ofensivo ou grosseiro, o árbitro vai ter de identificar isso no relatório. Pode ser um factor bastante incomodativo para todo este processo. A equipa se calhar até já vem descontente com o árbitro e ainda vai ficar mais, porque ele pôs as coisas no relatório. Depois, uns vão dizer que é tudo verdade, outros que é mentira…”.

Um problema acrescido para gerir, numa modalidade que tem muitas outras frentes por solucionar.

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