Regra fiscal na origem de infracção de Bruxelas revista em duas semanas

Governo aproveitou transposição das directivas anti-elisão fiscal para impor limites à dedução dos gastos de financiamento que as sociedades de titularização de créditos podem fazer em IRC.

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A equipa das Finanças, liderada por Mário Centeno, procura pôr fim ao processo de infracção aberto a 14 de Maio Nuno Ferreira Santos

As sociedades de titularização de créditos vão deixar de poder deduzir no IRC, de forma ilimitada, os encargos com o pagamento de juros das suas operações.

Depois de a Comissão Europeia abrir uma infracção contra o Estado português, o Governo aproveitou a revisão pontual de algumas normas do código IRC que esteve a decorrer no Parlamento até à semana passada para transpor a norma da directiva europeia anti-elisão fiscal que limita a dedução dos gastos de financiamento para as entidades de titularização.

Através de uma proposta de alteração apresentada pelo PS ao projecto de diploma do Governo que estava em discussão para transpor o que faltava desta directiva (a chamada ATAD 1, directiva 2016/1164, de Julho de 2016) e daquela que se lhe seguiu (a ATAD 2), a equipa do Ministério das Finanças procura pôr um ponto final ao processo de infracção aberto em Bruxelas em meados de Maio.

Uma operação de titularização é um processo que permite a uma empresa passar um conjunto de activos do detentor original para um veículo especial que, por sua vez, irá emitir valores mobiliários com o objectivo de financiar a compra de activos.

Pelo código do IRC, as empresas só podem deduzir gastos de financiamento líquidos até um milhão de euros ou até 30% do resultado antes de depreciações, amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos. Mas, até agora, a lei excluía três grandes grupos: as entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal e do Instituto de Seguros de Portugal [a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões]; as sucursais de instituições de crédito e outras instituições financeiras ou empresas de seguros; e as tais sociedades de titularização.

Só que Bruxelas veio considerar que dois Estados-membros – Portugal e o Luxemburgo – estavam erradamente a incluir nestas exclusões as sociedades de titularização, pois, à luz da ATAD 1, estas entidades “não são consideradas ‘empresas financeiras’” — e Portugal, ao incluí-las como tal, estava a permitir uma dedução ilimitada que, para o executivo comunitário, é incompatível com as regras europeias.

Para o Governo português, considerar, como entende a Comissão, que as sociedades de titularização “não são qualificadas como ‘empresas financeiras’” para esse efeito “é discutível”, mas rapidamente Lisboa aceitou essa interpretação jurídica.

O Governo foi notificado do processo de infracção ainda na primeira fase, com a recepção da chamada “carta de notificação para cumprir” — a 14 de Maio e, em apenas duas semanas, corrigiu aquilo que Bruxelas pedia, o que poderá ser suficiente para encerrar o procedimento de infracção.

Como no Parlamento já estava em discussão na especialidade, na comissão de orçamento e finanças, um projecto de diploma que transpõe para o código de IRC orientações da ATAD 1 e a ATAD 2, o grupo parlamentar socialista apresentou uma proposta a 22 de Maio e rapidamente a questão ficou arrumada.

Na semana seguinte, a 28 de Maio, a versão final do diploma, com essas e outras mudanças face à legislação actual, foi a votação final global, sendo aprovada com os votos a favor do PS, do PSD, do BE, do PCP, do PAN, do PEV e da deputada não inscrita Joacine Katar Moreira (ex-Livre). O CDS-PP, o Chega e o Iniciativa Liberal abstiveram-se em plenário na votação do texto final.

Na proposta, o PS assumia que a iniciativa pretendia pôr “fim ao procedimento de infracção” e garantir “em absoluto o alinhamento da legislação nacional em matéria de combate à elisão fiscal com o estabelecido na directiva ATAD 1”.

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