Dia dos Açores: Vasco Cordeiro quer debate sobre autonomia, mas não “no meio da batalha” da covid-19

O presidente do Governo Regional elogiou também os açorianos por entenderem as medidas “duras” para conter a covid-19. A Presidente da Assembleia Regional promete “conjunto de propostas” para reforço da autonomia.

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Vasco Cordeiro, líder do governo regional açoriano lm miguel manso

O debate sobre a autonomia dos Açores “não pode deixar de acontecer”, mas não deve ser feito no “meio da batalha” contra a covid-19. As palavras são do presidente do Governo dos Açores, Vasco Cordeiro, no dia da região, referindo-se às limitações das autonomias regionais que ficaram patentes na gestão da pandemia.

“Esse debate [sobre a autonomia], por muito que o devamos encetar, e eu considero que ele não pode deixar de acontecer, não deve esquecer, no seu tempo e nos seus modos, que não é no meio da batalha que se discutem as armas que temos”, afirmou Vasco Cordeiro, referindo não querer “deixar de abordar aquilo que alguns consideram ser as limitações ou incongruências” dos “instrumentos” da autonomia da região. E se dúvidas permanecessem, as palavras seguintes do líder açoriano dissiparam-nas: “no meio da batalha, combate-se! De mãos nuas, se necessário for”.

Durante a pandemia, o Governo dos Açores tentou impedir a chegada de voos à região, vindos do exterior, tendo suspendido a operação da Azores Airlines, empresa pública regional. Com a Ryanair a cancelar os voos para o arquipélago, apenas a TAP continuou a voar para São Miguel e Terceira. No início da pandemia, Vasco Cordeiro pediu a António Costa para fechar o espaço aéreo. O Governo da República não acedeu. A 19 de Maio, Pedro Nuno Santos, ministro com a tutela, disse na Assembleia da República que a manutenção dos voos da TAP para as regiões autónomas tinha sido uma “decisão muito firme” do Governo.

Em alternativa, o Governo da Região impôs quarentenas obrigatórias em hotéis a todos os que chegassem à região, que passaram a ser custeadas pelos passageiros não residentes nos Açores a partir de 8 de Maio. Um dos passageiros interpôs um habeas corpus, o tribunal considerou a quarentena inconstitucional – tal como o PÚBLICO já tinha noticiado – e o executivo açoriano acabou com a medida.

As situações devem suscitar um debate “esclarecedor” e “motivador de melhorias e de aperfeiçoamentos” sobre a autonomia dos Açores, segundo o presidente do governo açoriano, que defendeu as decisões tomadas para conter os possíveis surtos da covid-19 no arquipélago. “Da parte do Governo dos Açores, para o passado, para o presente e para o futuro a orientação foi, e é, clara: a cada momento, fazer o melhor, no que é necessário fazer, onde se está e com o que se tem”.

Balanço da Pandemia

O dia dos Açores é comemorado na segunda-feira do Espírito Santo, equivalente à segunda-feira seguinte ao Pentecostes. A data evoca as maiores festividades populares e religiosas do arquipélago, realizadas em honra da terceira figura da santíssima Trindade, e passou, desde 1980, a ser utilizada para celebrar a autonomia dos Açores.

Se normalmente as celebrações se fazem numa das ilhas, com todos os partidos presentes e com a atribuição de um rol de condecorações, este ano, devido à pandemia, os moldes habituais deram lugar a um discurso na RTP Açores dos presidentes do Governo e Assembleia Regional. Foram os últimos discursos do dia dos Açores nesta legislatura, uma vez que existirão eleições regionais no final do ano.

No discurso de cerca de meia hora, Vasco Cordeiro também elogiou a atitude do “povo açoriano”, o “vencedor” desta “primeira batalha” contra a pandemia, que “cumpriu e entendeu” as medidas “duras” tomadas para conter a propagação do vírus – os Açores estão sem casos novos desde 17 de Maio e têm apenas dois casos activos. Cordeiro elogiou também o Serviço Regional de Saúde, “um dos grandes activos da região”, o Sistema Educativo dos Açores, pela resposta “notável” das escolas nesta situação de pandemia, e os partidos políticos, que “actuaram com a evidente consciência do momento extraordinário” vivido.

A última parte do discurso do líder do executivo regional foi virada para o futuro da região e para as consequências económicas da covid-19. “Em pouco mais de três meses, muito do esforço de recuperação da região, após a crise externa sem precedentes que nos atingiu nos últimos anos, foi colocado em causa”, afirmou, referindo vários dados para justificar o desenvolvimento que é agora “colocado em causa”. Em 2019 houve maior número de sempre em dormidas (três milhões) e foram gerados mais 100 milhões de euros na hotelaria tradicional. Em 2019 foram criadas mais 500 empresas e também em 2019 foi registado o maior número de empregados activos na região (mais de 116 mil) – citando alguns dos exemplos dados. “Que fique claro: não refiro estes dados para demonstrar aquilo que perdemos. Refiro-os para evidenciar aquilo que já conseguimos fazer. É, por isso, que o tempo é de olhar o futuro”, explicou.

A autonomia do futuro

Se o presidente do Governo referiu que o debate sobre a autonomia “não se pode deixar de acontecer”, a presidente da Assembleia disse que nesta legislatura já foi feita uma “reflexão profunda sobre a autonomia”, através da Comissão Eventual para a Reforma da Autonomia (Cevera). Uma comissão criada em 2017 e que tem sido alvo de críticas por não se conhecerem resultados concretos. No início de 2019, foi anunciada uma subcomissão para avaliar as propostas provenientes da comissão.

Ana Luís, presidente da Assembleia Legislativa Regional, realçou que a Cevera “ouviu todos os intervenientes com responsabilidades políticas actuais e no passado”, “auscultou a população”, promoveu “consensos partidários”, tudo questões “tão importantes” quando se procura “soluções jurídicas para o reforço autonómico da nossa Região”. “Com o tempo exigível, e não com o tempo imposto, por quem não conhece efectivamente o trabalho produzido, a Cevera irá apresentar um conjunto de propostas legislativas concretas e coerentes à Assembleia Legislativa”. Ficou feita a promessa.

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