Dia 54: Celebrações em dia do Peter Pan!

Uma mãe/avó e uma filha/mãe falam de educação. De birras e mal-entendidos, de raivas e perplexidades, mas também dos momentos bons. Para avós e mães, separadas pela quarentena, e não só.

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@DESIGNER.SANDRAF

Querida Mãe,

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Ia escrever-lhe uma carta a protestar contra aquilo em que o Dia da Criança se parece ter tornado, com todo este hype à sua volta, semelhante ao que conhecemos no Dia dos Namorados, da Mãe ou do Pai. A “obrigação” de dar presentes, os programas “especiais” dão-me logo vontade de tratar o dia como qualquer outro. Mas depois decidi pensar um bocadinho para lá da minha irritação e percebi que o que me irrita é ser vazio do sentido que lhe esteve na origem, e que continua hoje actual, o de chamar a atenção para a Convenção dos Direitos das Crianças e no dever de todos os países o respeitarem. Mas agora tenho a sensação de que foi sequestrado por um folclore que não me diz nada, daí ter sentido a necessidade de o reinventar. A primeira medida vai ser mudar-lhe o nome para “Dia do Peter Pan”, e aqui vai a lista do que vou celebrar:

  1. O facto de as crianças já não serem tratadas como seres inferiores, propriedade dos adultos, e de terem na maior parte do mundo mais direitos e segurança. Aproveitando para relembrar as que não têm.
  2. O facto de todos nós termos sido crianças, os avós também. Vamos usar este dia para resgatar essas memórias partilhando-as com os nossos filhos.
  3. O facto de ter quatro crianças saudáveis e espectaculares em casa.
  4. O facto de as crianças não serem, em geral, afectadas de forma grave pela covid-19.

Estas são as minhas intenções para hoje! E as suas para o meu Dia do Peter Pan?


Querida Ana,

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Dia do Peter Pan parece-me bem. Sobretudo porque se nos conseguirmos pôr no lugar das crianças, nem que seja por 24 horas, vamos de certeza absoluta, regressar da expedição cheios de vontade de os tratar de outra maneira. E, apesar de todos os progressos, a vida de muitas e muitas crianças, ainda é de uma violência insuportável e que nos envergonha a todos. Por isso, alinho nesse voltar atrás no tempo.

Em versão mais light, tenho, lá em cima, os meus diários escritos ininterruptamente a partir dos dez anos, por isso proponho-me levá-los até tua casa, para os lermos juntas. Lembras-te como te riste às gargalhadas da última vez que os tirei do baú dos tesourinhos deprimentes e te li os meus desgostos de amor, imaginando que consolava os teus? Não te identificaste com a minha adolescência, mas o objectivo de te animar foi conseguido. Vamos lá ver como reagem as gémeas. Pelo sim, pelo não, levo-lhes um presente, para ver se consigo comprar a paciência delas. Pensando bem, talvez seja uma festa menos patética do que a maioria dos festejos desta data.

Mas, Ana, há um problema com a tua ideia do Dia do Peter Pan, é que pela forma como tantos adultos falam às crianças e sobre as crianças, temo que nunca tenham sido mesmo crianças. Não têm onde voltar. Eu sei que aparentemente não é possível, mas suspeito que fizeram delas adultinhos desde a nascença, sugaram-lhes a imaginação e a fantasia, disseram-lhes que brincar era uma perda de tempo, e transformaram-nas em papagaios das lengalengas que ouviam aos pais. Sei que é uma revelação bombástica e pouco caridosa, mas escuta algumas das histórias que contam às crianças, ouve as letras das músicas que lhes contam, repara em como falam com elas e vais ver que tenho razão. Estão mesmo convencidas de que estão a tratar com débeis mentais.

Pronto, não ponho mais acendalhas nesta guerra. Vou para a Terra do Nunca, reler pela milionésima vez o Peter Pan – os melhores livros para crianças são aqueles que os adultos imploram para lhes lerem, aqueles que conseguem ser para crescidos, sem deixarem de ser para os mais pequeninos.

Até logo.


No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram

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