Tribunal dá razão a professora com Alzheimer considerada apta a dar aulas

Junta médica de 2015 cometeu “erro grosseiro” na avaliação, considera Tribunal Central e Administrativo do Norte. Caixa Geral de Aposentações recorreu para o Supremo.

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O acórdão estabelece que a docente tem direito à aposentação com efeitos a 2015 Paulo Pimenta

Uma professora de Coimbra com Alzheimer, a quem tinha sido negada a reforma por incapacidade, viu o Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN) decidir em seu favor, numa acção contra a Caixa Geral de Aposentações (CGA).

A docente do ensino secundário levou a CGA a tribunal para reverter a decisão da junta médica que, em Outubro de 2015, a considerou capaz do exercício das suas funções. Isto apesar de lhe ter sido diagnosticada demência de Alzheimer ainda em 2014. Na sequência da avaliação dos médicos, a professora viu ser-lhe rejeitado o pedido de aposentação.

Num acórdão de 28 de Fevereiro, assinado pelas juízas Helena Ribeiro, Conceição Silvestre e Alexandra Alendouro, do TCAN, a professora vê agora reconhecido o seu direito à aposentação, com efeitos a partir do dia 16 de Outubro de 2015, o dia a seguir a ter sido submetida a uma junta médica que o tribunal entendeu ter cometido “erro grosseiro”.

Em Novembro de 2014, um relatório médico do neurologista Bruno Rodrigues, que acompanhava a professora, mencionava que esta “necessita de acompanhamento permanente, encontrando-se dependente para a satisfação das necessidades do quotidiano”. Meses depois, em Fevereiro de 2015, outra declaração médica, desta vez do psiquiatra Pio Abreu, dava a doente como “incapaz para o exercício profissional” do qual estava já arredada há mais de ano e meio.

Apesar disso, uma junta médica da CGA entendeu, em Outubro de 2015, que não se observava “a existência de perturbação que determine a sua aposentação por doença”, uma vez que considerava que as funções neuropsicológicas superiores estavam “adequadamente preservadas”.

No processo a que o PÚBLICO teve acesso, a professora alegava então “manifesto erro de apreciação, designadamente por não ter feito parte da junta médica um perito da especialidade de neurologia”. Pedia que a acção da junta médica fosse declarada nula e que lhe fosse reconhecido o direito à aposentação, por “incapacidade permanente e absoluta para trabalhar”. Por último, pedia também que fosse submetida a uma nova apreciação médica que, de facto, tivesse capacidade para lhe avaliar a doença.

Em primeira instância, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra reconheceu, de facto, o direito à reforma por invalidez da professora, que tem hoje 64 anos. No entanto, a decisão tinha efeito apenas a partir da data em que foi realizada uma junta médica de recurso, em Julho de 2017.

Um ano e nove meses

A advogada da professora, Ana Pereira de Sousa, recorreu e as juízas do TCAN deram-lhe razão. “Seria clamorosamente ofensivo do mais elementar sentido de justiça que não fosse reconhecido” à professora o “seu direito à aposentação a contar do momento em que a administração decidiu erradamente, quando podia e devia ter decidido correctamente”, escrevem as magistradas. À data dessa decisão errada, em Outubro de 2015, já se impunham as condições para que a docente “tivesse sido considerada permanente e absolutamente incapaz para o exercício da sua actividade profissional, o que só não sucedeu por erro grosseiro de quem a avaliou”, consideram. Por isso, o tribunal condenou a CGA a “considerar a autora aposentada desde a data em que foi realizada aquela primeira junta médica”. Ou seja, em Outubro de 2015.

Contactado pelo PÚBLICO, o Ministério do Trabalho, Solidariedade de Segurança Social, que tutela a GGA, não comentou a decisão. A Caixa já recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo (STA). Em causa não está o reconhecimento do direito à reforma da professora, mas a data a partir da qual conta a decisão, lê-se no recurso a que o PÚBLICO teve acesso. No acórdão de Fevereiro de 2020, as juízas do TCAN escrevem que a decisão produz efeito a partir de 16 de Outubro de 2015, o dia a seguir à junta médica que, erroneamente, declarou a docente apta para o serviço.

Acontece que a 4 de Julho de 2017, já depois de ter entrado com a acção contra a CGA em tribunal, a professora foi submetida a uma junta médica de recurso, que então lhe reconheceu, por fim, o direito à aposentação. O parecer verificava incapacidade permanente para trabalhar motivada por “síndroma demencial”. É este intervalo de um ano e nove meses, entre Outubro de 2015 e Julho de 2017, a causa do diferendo.

No recurso para o STA, a CGA sustenta que “a data a considerar para efeitos da atribuição da pensão é a data em que foi dado o parecer” da segunda junta médica. A dúvida é “saber se as decisões das juntas médicas de recurso produzem efeitos retroactivos ou unicamente para o futuro”. E é essa a questão que o Supremo irá esclarecer, caso admita o recurso.

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