O vírus português

Este parasita instala-se naqueles que vão e tem por consequência da sua natureza destruidora e egoísta fazer-se hospedar também nos que ficam.

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Artur Tumasjan/Unsplash

Face à actual conjuntura em que nos encontramos, esta em que descobrimos dentro de cada um de nós um virologista ou um epidemiologista adormecido, vale relembrar a existência de um outro vírus ao qual podemos estar expostos.

Esse vírus, também ele silencioso, invisível ao olho humano e, ao mesmo tempo, com um poder devastador. Como é costume de tudo que provém de pequenas embalagens.

Ao contrário dos restantes agentes infecciosos, este vírus que aqui vos descrevo não é contagioso. Essa é a parte boa. De nada adiantam máscaras e outras parafernálias, bem como esse tão higiénico hábito de lavar as mãos em 11 passos distintos, como manda a Direcção Geral de Saúde. Não.

Este parasita instala-se naqueles que vão e tem por consequência da sua natureza destruidora e egoísta fazer-se hospedar também nos que ficam. O período de incubação varia entre 24 e 48 horas antes da partida, quando surgem então os primeiros sintomas perceptíveis: choradeira descontrolada, aperto no peito, utilização de frases pirosas, inchaço generalizado da face (resultado do choro), pensamentos de desistência por parte dos que se vão e não adianta procurar o posto de saúde mais próximo. Não existe cura nem temos investigadores a trabalhar dia e noite na procura de uma eventual vacina.

Após este primeiro estágio, os sintomas costumam sofrer uma ligeira alteração. Com o passar do tempo, é possível experienciar frustração, tristeza, cansaço e até um dos sete: inveja! Embora a Organização Mundial de Saúde não esteja ainda ciente das possíveis causas, ou até mesmo da sua existência, por enquanto aguardamos medidas paliativas, como a melhora da economia e das oportunidades no país em questão, invenção de meios de transporte supersónicos a preços irrisórios — ou até mesmo portais que permitam vir dormir a casa e almoçar com a família aos domingos.

Não subestimem este vírus. Ele pode não matar, mas causa muita dor e bate à porta quando menos se espera. Intitulei-o “vírus português” porque partilho da nacionalidade e porque ele tem essa peculiaridade de só existir no nosso vocabulário. Eu estou contaminada há já 12 anos e os sintomas só pioram. Eu não queria, mas acabei por contaminar os meus pais e toda a minha família. Esse vírus... é a saudade.

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