DGS, divulgue os dados

Em Portugal, quantos casos de covid-19 há nas comunidades de brasileiros ou de cabo-verdianos? Será que há uma nacionalidade que está a ser muito mais afectada? Não se sabe.

Em Nova Iorque, nos Estados Unidos, a taxa de mortalidade por covid-19 é maior nos bairros com rendimentos mais baixos. E em Portugal, quais são as freguesias com o maior número de casos e mortes em decorrência da doença causada pelo novo coronavírus? Não se sabe.

Na Inglaterra e no País de Gales, pessoas negras têm mais chances de morrer de covid-19 do que pessoas brancas. Sem considerar características sociodemográficas, mulheres negras têm 4,3 vezes mais chances de morrer pelo novo coronavírus do que mulheres brancas. E em Portugal, pessoas negras estão a ser desproporcionalmente afectadas? Não se sabe.

Em alguns países nórdicos a comunidade de imigrantes da Somália está a ser severamente atingida. Em Helsínquia, capital da Finlândia, somalis eram 14% do total de infectados no começo de Maio. Na Noruega, somalis são 6% dos doentes, embora representem apenas 0,5% da população do país escandinavo. E em Portugal, quantos casos de covid-19 há nas comunidades de brasileiros ou de cabo-verdianos? Será que há uma nacionalidade que está a ser muito mais afectada? Não se sabe.

Em Fortaleza, no Brasil, quase dois terços dos mortos por covid-19 estudaram até o 1.º ciclo. Apenas 3% das vítimas mortais tinham ensino superior completo. E em Portugal, quais são as chances de um licenciado morrer em decorrência do novo coronavírus? Não se sabe.

O secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales disse, recentemente, durante uma das habituais conferências de imprensa, que o SARS-CoV-2 é “um vírus democrático” e pode “atingir qualquer um de nós, independentemente da condição social”. Os exemplos acima sugerem que o risco que o vírus apresenta é tudo, menos democrático.

As informações sobre os infectados pelo novo coronavírus disponibilizadas por diversos países mostram que factores sociodemográficos alteram o risco da doença. Talvez em Portugal seja diferente e aqui nenhuma classe social, minorias étnicas ou raciais estejam a ser desproporcionalmente afectadas. Mas não temos como verificar porque a Direcção-Geral da Saúde não divulga dados sociodemográficos nos seus boletins epidemiológicos.

Durante a mesma conferência de imprensa, a directora-geral da Saúde, Graça Freitas, afirmou que as forças policiais e as autarquias têm informação pormenorizada sobre os doentes “porque necessitam dessa informação para agir”. Todavia, essa informação mais “fina” não está disponível para o público porque “temos de ter respeito pela privacidade das pessoas” e “todos os dados que pudessem levar à identificação de uma pessoa que não quer, tem de ser respeitado”.

Após quase três meses desde o primeiro caso de covid-19 em Portugal e pelo menos duas cartas públicas que solicitam a disponibilização de microdados sobre os infectados pelo novo coronavírus, essa justificação da diretora-geral da Saúde é, no mínimo, insuficiente. Não divulgar essas informações é a maneira errada de evocar respeito à privacidade das pessoas, pois nega a existência de técnicas de anonimização dos dados, que impossibilitam a identificação do seu titular.

Mas essa opacidade da Administração Pública no trato dos dados não é nova. A Open Knowledge, uma organização sem fins lucrativos que promove políticas públicas sobre transparência e dados abertos, classificou Portugal em 45º entre 94 países no Índice Global de Dados Abertos 2016/2017. Em meados de 2019, um relatório do Portal Europeu de Dados, uma iniciativa da Comissão Europeia, classificou Portugal como o quarto pior país europeu em acessibilidade a dados públicos e o único, entre os 30 países, que não reconhecia um impacto positivo do livre acesso aos dados na eficiência governativa.

O braço brasileiro da Open Knowledge criou o Índice de Transparência da covid-19, que avalia o nível de abertura de dados e informações dos estados brasileiros relativos à pandemia. A partir das informações disponibilizadas no site da DGS, calculei qual seria a pontuação de Portugal no ranking relativo ao Brasil. O Índice é representado em uma escala de 0 a 100 e Portugal ficaria na parte de baixo da tabela, entre os cinco estados com menos pontuação.

Dados abertos incentivam a participação popular, a colaboração e a inovação. Mais importante: promovem a transparência e o escrutínio do Poder Público. Portugal é uma referência mundial no combate à covid-19, por que não repetir o nível com relação a transparência e acessibilidade aos dados sobre a pandemia?

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