E o Ensino Artístico, senhoras e senhores?

Dizer que os alunos do Ensino Artístico se sentem completamente ignorados pelas entidades que comandam os nossos estabelecimentos é florear a situação e arrisco-me a afirmar que o sentimento de obliteração é o que prevalece entre estes mesmos estudantes.

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Adriano Miranda

Não é novidade a negligência e o desprezo que o Ensino Artístico sempre recebeu por parte do Ministério que o regula, mas durante este período de confinamento, mais do que nunca, as consequências de este “olhar para o lado” sentem-se com maior profundidade.

Em Março, universidades atrás de universidades fecharam as suas portas e, com elas, fecharam faculdades de artes e conservatórios, algo que à partida seria temporário, mas que rapidamente se veio a tornar num encerramento por tempo indefinido. Deixámos para trás materiais, salas e oficinas, na esperança de podermos voltar rapidamente, pois estas a priori são nos dadas como algo essencial para o sucesso da nossa aprendizagem.

Ou assim pensávamos. Com unidades curriculares maioritariamente ou totalmente práticas, seria de esperar que estas não fossem sequer leccionadas durante os meses que se avizinhavam de distanciamento social, pois o dito e-learning nunca poderia substituir as aprendizagens que advêm de ter a “mão na massa”. Eventualmente, estas começaram a ser leccionadas já com um mês passado em confinamento, e de mão dada com isto, vem um comunicado de alargamento do ano lectivo até ao final de Julho, com o objectivo de repor as horas não leccionadas das cadeiras práticas, agora adaptadas ao ensino artístico à distância.

Talvez se perguntem – com razão – “Qual é o sentido de haver aulas de Desenho online? Ou de Projecto? Ou de Escultura e Pintura? Ou de Dança? Ou de Música?”. Quiçá se questionem: “Como poderá um professor ensinar matéria prática por um mero ecrã?” A resposta é simples e clara: o professor pode tentar, mas o ensino não é, de todo, eficaz. 

A esta ineficácia, adicionam-se as cargas gigantes de trabalho que, nesta situação, parecem acumular-se num novelo sem fim de stress e cansaço, de modo a poder-se tapar o buraco na aprendizagem de vocação artística que as aulas online escavaram. E, como é óbvio, é uma tentativa de apaziguamento falhada. 

Deve-se também referir a falta de cuidado que as instituições têm para com os seus discentes mais desfavorecidos em termos financeiros, que muitas vezes não são capazes de adquirir os materiais necessários para os cursos, algo que só é acentuado pela pandemia e crise económica que se avizinha – o que torna ainda mais evidente a elitização do ensino superior. Juntam-se os alunos e alunas que se viram obrigadas a regressar aos seus locais de residência e que podem não ter acesso a locais de venda de materiais para a realização das tarefas impostas durante o período de ensino à distância. 

Voltemos ao ano lectivo estendido. Com este, apresenta-se a oportunidade de podermos repetir unidades curriculares no próximo ano, algo que de facto parece ser completamente exequível, mas que, a longo prazo, não se apresenta como não funcional, pois as faculdades artísticas, geralmente estabelecimentos de dimensões bastante reduzidas, possuem poucas vagas para cada unidade curricular, sendo, assim, incapazes de suportar uma possível enchente de estudantes que queiram repetir as cadeiras num futuro próximo. 

Dizer que os alunos do ensino artístico se sentem completamente ignorados pelas entidades que comandam os nossos estabelecimentos é florear a situação e arrisco-me a afirmar que o sentimento de obliteração é o que prevalece entre estes mesmos estudantes. O coronavírus carrega consigo um outro vírus que se infiltra na pedagogia das instituições de ensino artístico, que mata o objectivo destas mesmas – o de formar e levantar os artistas do futuro.  

Os artistas do futuro começam a ir contra a conformidade que tem regido a sua área de ensino, relembrando a importância que a arte e o ensino de vocação artística têm na sociedade, com campanhas como a da Brigada Estudantil que, em tempo de pandemia, relembra que o ensino artístico não pode ser substituído por plataformas de e-learning (#EnsinoArtisticoNaoEOnline). 

Se há algo que esta pandemia mostrou a todo o mundo é que é urgente uma mudança nos paradigmas que regem a nossa sociedade, pois estes estão completamente obsoletos e já não nos servem. A mudança no Ensino Artístico apresenta-se, assim, como imperativa. E já vem tarde.  

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