Sudoeste alentejano: o presente que evita o passado

Aquela que é hoje uma das regiões mais promissoras do País foi no passado sinónimo de solidão, de suicídio e de miséria.

Há poucos meses vi pela primeira vez uma reportagem da inauguração do sistema de rega do Mira e da barragem de Santa Clara, construídos há 50 anos. Fiquei surpreendido e chocado com o aspeto da paisagem. Quando ouvimos dizer que dentro de poucas décadas o Alentejo poderá parecer-se com o deserto do Norte de África, posso assegurar-vos que essa imagem desértica era a que nessa época se podia observar. Num filme produzido pelo regime de então, o foco estava naturalmente na grandeza da obra, mas basta falarmos com quem viveu esses tempos para se perceber que a miséria era então profunda, sendo aquela barragem uma luz de esperança para um novo tempo.

De então para cá várias fases se sucederam. Nos primeiros anos, pouco ou nada aconteceu. A paisagem foi tornando-se mais verde, mas a vida das pessoas pouco melhorou. A emigração foi para muitos a única saída. Já nos anos 80 começou a aparecer uma agricultura dita intensiva, mas que não cumpriu nenhum dos três pilares da sustentabilidade desejável: económico, social ou ambiental. São exemplos que não devem ser esquecidos para não serem repetidos. Empresários sem escrúpulos aproveitaram-se de dinheiros e boas intenções públicas para deixarem um rasto que demorou anos a apagar.

Chegámos assim aos nossos dias e são esses e os do futuro que hoje mais importam. É grande o desconhecimento do que por lá se passa. Muita gente comenta sem saber do que fala. Evidentemente que nem tudo é perfeito, mas para isso estão lá todos os que se batem no dia a dia para tornar o Sudoeste mais rico, mais amigo das pessoas e do ambiente, mais capaz de dar sustento e fazer regressar muitos dos que partiram. Entretanto, e na falta deles, queremos e necessitamos de acolher alguns dos que, por igual ou pior pobreza da que tínhamos há 50 anos, saem hoje da India, do Nepal ou do Bangladesh para trabalhar numa região que soube acolhê-los.

A água e um núcleo forte de empresas que acreditam na agricultura moderna tornaram possível a produção no Sudoeste alentejano. Esse trabalho representa hoje entre 10 e 15% das exportações de hortofrutícolas do país, para além de uma percentagem importante do que se consome em Portugal. Até ao início da pandemia, o desemprego era quase inexistente.

Há, no entanto, ainda muito por fazer. Pondo de parte o surto de covid – porque será transitório e porque a região soube lidar extraordinariamente bem com ele –, a água começa a dar sinais de poder vir a ser insuficiente, exigindo obras de manutenção e modernização do sistema de captação e rega. O acolhimento adequado de imigrantes e o consequente aumento da população requer urgentemente o reforço de infraestruturas sociais. O alojamento de quem chega é uma prioridade absoluta e não se compadece com discussões interdepartamentais intermináveis, pese embora a boa decisão tomada há sete meses em Conselho de Ministros sobre o alojamento temporário condigno.

O turismo, momentaneamente em quebra, terá tido agora a oportunidade triste de constatar que sozinho não vive nem suporta a região. De braço dado com a agricultura, deve (devem) constituir os pilares de crescimento que se complementam. Os agricultores, por seu lado, têm de continuar a entender que o respeito pelo ambiente, pela sociedade e pelos outros setores deve conviver com o seu próprio desenvolvimento. A grande maioria já o faz, mas tem de o fazer ainda melhor e sem exceções.

Um único mau exemplo que seja dará força e razão àqueles que falando de cátedra e com preconceitos meramente ideológicos tomam os desejos por realidade e querem fazer crer que o Alentejo do passado deve ser preservado. Essa é a última coisa que queremos. Porque nunca nos esqueçamos: aquilo que é hoje uma das regiões mais promissoras do País foi então sinónimo de solidão, suicídio e miséria. E isso nunca mais!

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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