Hong Kong já não é autónomo da China, diz Pompeo

“Hoje, nenhuma pessoa razoável pode afirmar que Hong Kong mantém um alto grau de autonomia face à China” , diz o secretário de Estado dos EUA. Quer punir Pequim, mas vai cortar laços com o território.

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Manifestantes foram revistados pela polícia LUSA/MIGUEL CANDELA
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Pelo menos 240 pessoas foram detidas Reuters/TYRONE SIU
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Conselho Legislativo debate polémica lei que criminaliza quem desrespeitar o hino chinês LUSA/JEROME FAVRE
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Autoridades utilizaram gás pimenta para dispersar manifestantes Reuters/TYRONE SIU
,Secretário de Estado dos Estados Unidos
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Anúncio de Mike Pompeo surge na véspera da iminente aprovação da lei de segurança nacional para Hong Kong Reuters/POOL New

Mike Pompeo anunciou que Departamento de Estado norte-americano já não considera que Hong Kong tenha autonomia em relação à China. Por isso, devem acabar as relações económicas especiais com os Estados Unidos de que beneficiava até agora – um rude golpe para Pequim, mas sobretudo para Hong Kong.

“Hoje, nenhuma pessoa razoável pode afirmar que Hong Kong mantém um alto grau de autonomia face à China, tendo em conta os factos no terreno”, acrescentou Pompeo. “Os EUA esperavam que Hong Kong livre e próspero fosse um modelo para a China autoritária, mas é agora claro que a China está a remodelar Hong Kong à sua imagem”, declarou.

Ao reduzir as relações económicas e comerciais com Hong Kong, Washington pretende castigar Pequim, que tem usado este grande centro financeiro no sul do Mar da China como plataforma para as suas relações e transacções com outros países. Os EUA podem passar a impor as mesmas tarifas às exportações de Hong Kong que hoje aplicam às provenientes da China – logo na quinta-feira, depois de o Governo chinês aprovar a nova lei de segurança para o território, diz o New York Times.

Mas esta mudança de política, em sentido contrário ao que tem sido a política externa norte-americana, deixa também cair Hong Kong, no momento em que a sua posição está mais frágil. “Vai ter um enorme impacto negativo para as pessoas de Hong Kong, e um efeito minúsculo na China”, comentou ao jornal South China Morning Post, de Hong Kong, Nicholas Lardy, do Instituto Peterson de Economia Internacional, que tem escrito sobre a China. “Pequim já não depende tanto de Hong Kong. Não sei porque é que havemos de querer punir os cidadãos de Hong Kong por algo que a China fez.”

A lei de segurança nacional, tal como a chamada “lei do hino nacional”, vem na sequência de uma série de movimentações de Pequim na tentativa de condicionar a autonomia de Hong Kong e de tornar o território mais submisso, uma campanha que começou há alguns meses, e que tem no horizonte as eleições de Setembro na região administrativa. 

Os protestos pró-democracia voltaram. A polícia deteve nesta quarta-feira 360 pessoas e utilizou gás pimenta para dispersar milhares de manifestantes, que protestavam contra a discussão no Conselho Legislativo de uma controversa lei que pretende criminalizar quem desrespeitar o hino chinês - num avanço do que será o novo referencial imposto por Pequim.

Nas zonas de Central e Causeway Bay, os manifestantes tentaram bloquear o trânsito, arremessando caixotes do lixo, e a polícia utilizou gás pimenta para os dispersar. As autoridades fizeram dezenas de detenções, sobretudo jovens, inclusive de menores de 18 anos, considerando que os protestos eram ilegais. 

Além de pretender criminalizar quem desrespeite a Marcha dos Voluntários, numa pena de prisão que pode ir até três anos, o projecto de lei pretende ainda que este hino seja ensinado nas escolas. O Governo chinês nomeou até um novo representante em Hong Kong que tem como tarefa tomar medidas para criar maior lealdade dos jovens do território para com a China. A nova lei irá punir, entre outros comportamentos, os enormes assobios com que o hino chinês costuma ser recebido no início dos jogos de futebol no território. Para os os activistas pró-democracia, esta é mais uma linha vermelha que põe em causa a autonomia da região face a Pequim. 

“Queremos proteger a nossa liberdade de expressão. [Com estas leis] Não será mais Hong Kong, mas sim outra cidade chinesa”, afirmou um dos manifestantes ao South China Morning Post.

À revolta contra a musculada intervenção policial, junta-se alguma resignação. “Acho que esta é, provavelmente, a última oportunidade que temos para protestar”, afirmou ao The New York Times Sheldon Liu, um jovem de 20 anos que se juntou aos protestos em Causeway Bay. “Claro que espero que estas leis não passem, mas sinto que isso é impossível”, lamentou.

As ruas perto do Conselho Legislativo estão cortadas desde terça-feira, com muitas lojas, bancos e escritórios fechados. O contingente policial foi reforçado e centenas de jovens foram obrigados pela polícia a sentarem-se em passeios, para serem revistados.

A revolta contra o poder chinês na região atingiu o auge no ano passado, quando milhões protestaram contra uma lei que pretendia que suspeitos de crimes pudessem ser extraditados para a China para serem julgados. Após meses de protestos, a chefe do Governo de Hong Kong, Carrie Lam, cedeu aos manifestantes e anulou a proposta da lei da extradição.

Após algum abrandamento nas reivindicações dos activistas pró-democracia nas ruas, devido à pandemia de covid-19, as manifestações contra a ofensiva da China na limitação das liberdades de Hong Kong parecem ter vindo para ficar. No passado domingo, cerca de 200 pessoas foram detidas em Hong Kong por protestos contra a lei de segurança nacional chinesa. 

Activistas pró-democracia denunciam que o Governo de Xi Jinping está a passar por cima do executivo de Carrie Lam e a interferir não só no poder político, mas também no poder judicial, enquanto a assembleia legislativa de Hong Kong está paralisada, dividida entre os principais representantes de Pequim e a oposição pró-democracia.

Pequim tem vindo a garantir que não irá tolerar qualquer interferência na gestão do território e quer garantir a sua segurança a todo o custo. Para isso, parece contar com o apoio do executivo de Carrie Lam, que se mostrou disponível para cooperar na implementação da lei de segurança nacional. Para atingir os seus objectivos no território, a China parece disposta a silenciar todos os opositores, conforme denunciou o activista Joshua Wong, que classificou a lei de segurança nacional como uma tentativa da China acabar com a autonomia de Hong Kong.

“Todos sabemos que a lei de segurança nacional não é sobre a segurança da China, mas sim sobre abraçar o regime comunista da China”, afirmou Wong, esta quarta-feira, em entrevista à CNBC, realçando que a lei de segurança nacional pode ser o primeiro passo para a “erosão da liberdade política e económica de Hong Kong”.

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