Da prisão para o palco: ao fim de 36 anos preso por um erro, Archie Williams é a nova estrela dos EUA

Acusado sem provas, um homem passou 36 anos numa prisão de máxima segurança. A sua história e a sua voz emocionaram o júri e o público do America’s Got Talent, cuja nova temporada acaba de estrear nos EUA.

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Archie Williams interpretou Don't let the sun go down on me DR/AGT

“Esta é uma audição que nunca vou esquecer.” O jurado Simon Cowell do popular programa America’s Got Talent foi o último a pronunciar-se após a audição do concorrente Archie Williams, mas, ao contrário do que lhe é normalmente reconhecido, não poupou elogios: “Nunca, nunca mais vou ouvir essa canção da mesma maneira depois de [Archie Williams] a ter cantado.”

A interpretação emotiva de Don't let the sun go down on me, tema composto por Elton John e o seu letrista Bernie Taupin — cuja segunda versão, que juntava a voz de George Michael, em 1991, chegou ao topo das tabelas, um pouco por todo o mundo —, granjeou uma ovação em pé por parte do público, mas também dos quatro jurados desta temporada: além de Cowell, Heidi Klum, Howie Mandel e a estreante Sofía Vergara.

Contudo, o que mais atingiu toda a plateia foi a história que estava na origem de toda a emoção expressada: Archie Williams pagou mais de três décadas da sua vida por um crime que não cometeu.

36 anos em “Angola”

Aos 22 anos, Williams foi acusado de violação e tentativa de homicídio e sentenciado a prisão perpétua sem hipótese de lhe ser concedida liberdade condicional. A cumprir pena num dos estabelecimentos mais violentos do país, a Penitenciária Estatal do Luisiana, conhecida por “Angola” ou “A Quinta”, Archie Williams nunca deixou de reclamar a sua inocência. Em 1995, quando já somava “12 anos de prisão indevida”, escreveu sobre o seu caso ao Projecto Inocência, relata numa página criada por si no site Mighty Cause, no sentido de “angariar dinheiro para comprar um carro” e se reerguer.

A organização, fundada em 1992, que se dedica a exonerar indivíduos erradamente condenados, recorrendo a técnicas actuais, nomeadamente a testes de ADN, aceitou o pedido de Williams, mas o processo não se revelaria nem fácil nem rápido. “Durante duas décadas, a minha equipa jurídica, que também incluía [pessoas do] Projecto Inocência de Nova Orleães, procurou aceder às impressões digitais [recolhidas] do local do crime para tentar identificar a pessoa que as deixou”, conta o homem.

Até que, em 2019, um juiz ordenou o acesso às impressões digitais. Depois de uma luta de 24 anos, “demorou apenas oito horas para que as impressões fossem pesquisadas na base de dados do FBI e para que fossem associadas a um agressor em série que tinha efectivamente cometido o crime”, recorda. Uma semana mais tarde, a 21 de Março de 2019, Archie Williams saía da prisão.

Agora um homem livre, Williams diz que o que lhe permitiu aguentar 36 anos naquela prisão de máxima segurança, onde impera a lei do mais forte, foi a família, mas “também o canto e o boxe”. “Em ‘Angola’, treinei a melhor equipa de boxe da história da prisão, ganhando inúmeros títulos do estado do Luisiana.”

Sonhar com o America's Got Talent

Também foi durante a sua permanência na prisão que foi filmado o documentário da National Geographic A Decade Behind Bars: Return to the Farm (2007), que faz o seguimento do filme The Farm: Angola, USA (1998), nomeado para o Óscar de Melhor Documentário. No programa, Williams surge a cantar. “Venho de uma família de cantores”, justifica o agora concorrente do programa. “Eu assistia ao America's Got Talent na prisão e via-me lá”, disse, antes da sua audição. “Sempre desejei estar num palco como este, e agora estou aqui.”

Ainda no filme de 2007, não é a história de Williams que é contada, mas de outros reclusos: “Há muita gente inocente em ‘Angola’ — tipos que já cumpriram mais de 50 anos. Estou feliz por ter sido finalmente inocentado, mas não estarei livre enquanto eles não estiverem”, disse na altura da sua libertação.

Depois de algumas incertezas, dadas as contingências criadas pelo surto do coronavírus SARS-CoV-2, com os EUA a somarem mais de 1,6 milhões de infectados e a registar 98.929 mortos, a 15.ª temporada do programa America's Got Talent estreou-se, nos EUA, através do canal NBC, na noite de terça-feira, 26 de Maio. No entanto, para já, está apenas garantida a transmissão das audições, não se sabendo como se irá realizar a emissão das galas.

Na última temporada, o concurso foi conquistado por Kodi Lee, um jovem cego e autista, que ganhou o prémio com uma audição com direito a bilhete dourado para as galas e, nestas, com várias interpretações consideradas brilhantes. Mas foram as últimas duas que ditaram a vitória: a solo, tocou e cantou Lost without you, de Freya Ridings; com Leona Lewis, deu um toque especialíssimo a You are the reason, de Calum Scott.

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