Depois de 13 testes à covid-19, Eunice pôde beijar o seu bebé pela primeira vez

Foi diagnosticada ainda antes do parto e passou 17 dias sem ver o recém-nascido. Agora, chegou o resultado ambicionado: o teste ao coronavírus chegou negativo — duas vezes.

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Passaram-se 57 dias desde o nascimento de Jaime até à alta da mãe DR

“Sinto um alívio muito grande e uma alegria sem comparação”, escreveu Eunice Rodrigues, na manhã desta quarta-feira, na sua página de Facebook. É que, ao contrário do que ditam as superstições, à 13.ª foi de vez: aquela que foi das primeiras grávidas diagnosticadas com covid-19 a terem bebé em Portugal recebeu o segundo resultado negativo, confirmando estar livre da infecção que a levou a percorrer um caminho muito diferente do idealizado para este período.

Quando contactada pelo PÚBLICO, nesta quarta-feira, e mesmo com um choramingar característico como banda sonora, o tom de voz evidencia isso: o desafogo de quem se libertou de uma situação que se arrastou mais de dois meses.

O primeiro positivo chegou a 23 de Março, quando, já nas últimas semanas de gestação, se dirigiu ao Hospital de São João, no Porto, para ser testada à covid-19. Um resultado que Eunice Rodrigues nem suspeitava. É certo que sabia ter estado doente, como não se lembrava, nas últimas semanas de Fevereiro. Mas, em momento algum associou a tremenda gripe à pandemia. Nem mesmo quando deu por falta do olfacto e paladar.

“Mesmo sendo a quarta gravidez, cheguei a perguntar à minha obstetra se teria a ver com isso”, recorda, numa altura em que os sintomas não eram atribuídos à doença— a primeira vez que estes sintomas foram relacionados com a covid-19 foi após um estudo encetado por médicos otorrinolaringologistas ligados à Universidade de Mons, Bélgica, nos primeiros dias de Abril. Nenhuma das duas conseguiu encontrar razão para a ausência dos dois sentidos. E ambas acabaram por ficar doentes.

Com o resultado da análise, o parto ficou agendado para ser induzido a 3 de Abril. Mas o bebé trocou as voltas aos planos e acabaria por dar sinais de que queria conhecer o mundo a 31 de Março. “Tiveram de criar condições para receber uma grávida com covid-19”, recorda Eunice Rodrigues, defendendo a necessidade de quem está de serviço se proteger e contando que o facto a obrigou a ficar à espera para entrar.

Ainda assim, todo o espectáculo associado ao momento acabou por não ser determinante: “Foi um parto delicioso: rápido, sem epidural, apoiado por equipas muito profissionais e rigorosas.” E nem a ausência do pai do bebé a afectou (“não valorizo muito a presença do pai”, explica), apontando apenas “a parte emocional” como a mais difícil de gerir. O Jaime nasceu a 1 de Abril, com direito a vários apontamentos noticiosos. Já Eunice defendeu-se racionalizando os factos.

17 dias longe do filho

Assim que o filho nasceu, colocaram-no em cima da sua barriga, restringindo apenas o toque das mãos da mãe. “Perguntaram até se queria cortar o cordão umbilical”, relata. Mas, depois desses céleres momentos, o bebé seguiu para a Neonatologia e Eunice para a ala de doentes com covid-19, ficando em isolamento.

Com o bebé longe, a mãe optou por manter a extracção do leite e a estimulação da mama, mas deitando fora o leite. “Escolhi o terreno mais seguro”, afirma, recordando que, por aqueles dias, sabia-se muito menos sobre o coronavírus SARS-CoV-2 do que hoje. Até que chegou o dia de voltar para casa.

“Acabei por optar por o bebé ficar no hospital quando o pai também recebeu o resultado positivo.” E resume: “Ficámos os dois doentes e com três meninas (de 10, 5 e 2 anos, todas com resultado negativo) em casa; não tínhamos condições para cuidar do bebé.” 

Assim, durante 17 dias, enquanto o marido também permaneceu doente, o mais novo da família ficou aos cuidados do São João, mas com uma janela aberta para casa. “Mandavam imensas fotos, faziam videochamadas…” Até que o pai recebeu dois negativos e foi buscar o filho, para alegria das três irmãs e da mãe, ainda que confesse, entre risos, que na época estava “com medo” de o levar para casa quando ela ainda permanecia infectada.

Algum sossego acabaria por ser conquistado com o apoio do hospital: “A pediatra liga todos os dias”, contava ao PÚBLICO nos primeiros dias de Maio. Ainda assim, as análises de Eunice permaneciam positivas, assim como a necessidade de usar máscara e de ter mil cuidados. “Sinto que estou em permanente estado de alerta há mais de um mês, o que resulta em algum cansaço emocional”, confessava então.

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Até à chegada do negativo ponderou secar o leite, mas a pediatra convenceu-a do contrário. “Dizem que os bebés quando experimentam o biberão têm dificuldade em agarrar na mama. Pois este parece que mama desde que nasceu.” Uma constatação que contraria os, por vezes, complicados processos de relactação.

Quando o filho chegou a casa e Eunice se mantinha de máscara, pensou que ele talvez a visse “como uma das ‘mães’ do hospital”. Hoje, volvidos 57 dias, conclui que a ligação do bebé à mãe é muito maior do que supunha. “É a voz, o cheiro...” E, mesmo com todo o tempo em que estiveram distantes, “há uma ligação que não se explica”.

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