O que é novo e o que muda na nossa pele: preocupações em tempos de pandemia

Não devemos esquecer que existem outras doenças além desta pandemia e que também estas condições precisam de acompanhamento.

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É fundamental acompanharmos a nossa pele e sabermos quando procurar ajuda de um dermatologista Adriano Miranda

Nos tempos que atravessamos somos confrontados com novas rotinas, muitas vezes com necessidade de nos adaptarmos a uma vida diferente.

Pode soar paradoxal, mas a verdade é que, em momentos de recolhimento, o tempo para olharmos para nós próprios pode ser ainda mais escasso do que na nossa rotina habitual. No entanto, é importante que as nossas preocupações de saúde não fiquem limitadas aos cuidados relacionados com a infecção covid-19. Não devemos esquecer que existem outras doenças além desta pandemia e que também estas condições precisam de acompanhamento.

A pele é um órgão extenso, muito rico e completo (dela também fazem parte o cabelo, os pelos e as unhas) e que desempenha inúmeras funções. Devido à sua riqueza e complexidade, pode ser local de aparecimento de várias doenças ou de tumores.

A pele é o órgão mais acessível à nossa observação, por isso não há razão para a descuidarmos. A observação rotineira da pele permite-nos conhecê-la melhor e assim identificar precocemente quaisquer alterações ou novas lesões que possam surgir. Como noutras situações, nas lesões cutâneas o diagnóstico precoce permite iniciar mais rapidamente o tratamento e conduz habitualmente a um melhor prognóstico.

Mas se pele é tão extensa, como a conseguimos observar na totalidade? A observação deve ser realizada com serenidade e de forma metódica. Devemos observar a face, pescoço, tronco, membros de modo sequencial, por áreas. É importante não esquecer a região por trás das orelhas, o couro cabeludo, a área genital, as zonas entre os dedos das mãos e dos pés e a planta dos pés. Em muitas situações é necessário ter ajuda de outra pessoa ou recorrer ao uso de espelhos. Estas informações, ilustradas com imagens e complementadas por outras informações úteis para o diagnóstico precoce de cancro da pele, estão facilmente disponíveis no site da Associação Portuguesa de Cancro Cutâneo.

E o que devemos valorizar quando observamos a pele? A riqueza da pele e das várias estruturas que a compõem pode originar vários tipos de lesões na pele. “Lesão” não é sinónimo de traumatismo nem de cancro, é um termo genérico utilizado para descrever, por exemplo, manchas, nódulos, feridas, sinais ou tumores.

O aparecimento de uma nova lesão cutânea ou a modificação de uma já existente deve merecer a nossa atenção. Em relação aos sinais, existem algumas características que podem levantar suspeição, tais como a irregularidade dos contornos, a presença de várias cores no seu interior (castanho, negro ou vermelho) ou a sua assimetria. Mas é especialmente relevante quando um sinal se modifica, por exemplo quando aumenta de modo súbito ou adquire alguma destas características descritas.

Uma forma simples de identificar sinais suspeitos é o “sinal do patinho feio”. O termo é auto-explicativo: o patinho feio é diferente dos outros patinhos na ninhada, vê-se facilmente. Esta imagem pode ser aplicada quando observamos vários sinais e percebemos que há um (ou eventualmente mais) que se distingue da grande maioria, ou seja, destoa no padrão de cor, formato ou dimensão, da generalidade dos outros sinais.

Na nossa consulta de dermatologia, muitos pacientes perguntam: tenho inúmeros sinais, como consigo perceber se há alguma modificação?

Mesmo quando temos muitos sinais, se observarmos a nossa pele, passamos a conhecê-la bem. Não significa isto que consigamos descrever ao detalhe todos os sinais. O que se pretende é que, com uma observação regular, consigamos olhar e dizer, “este sinal está diferente” ou “este sinal antes não existia”. Pode ser difícil especificar qual a diferença, mas o importante é conseguirmos identificar alterações, da mesma forma como quando olhamos para uma paisagem familiar conseguimos perceber se há ou não uma alteração, mesmo que não tenhamos capacidade de a desenhar apenas de memória.

No entanto, as pessoas com muitos sinais ou com suspeita de alteração de algum sinal devem sempre ser observadas por um dermatologista.

Outra questão que frequentemente nos colocam é se apenas os sinais castanhos têm risco de cancro da pele. Na verdade, existem vários tipos de cancros da pele e apenas alguns têm relação directa com os sinais.

Alguns cancros da pele surgem como manchas ou nódulos vermelhos que crescem progressivamente, por vezes com crostas, ou sob a forma de feridas que não cicatrizam definitivamente. Estes aspectos são muito relevantes, uma vez que traduzem as principais características das formas mais frequentes de cancro da pele: o carcinoma basocelular e o carcinoma espinocelular. Estes dois cancros são, na verdade, a forma mais frequente de cancro na espécie humana.

Quando se identifica uma lesão que levanta alguma suspeita, o passo seguinte é procurar um dermatologista. Este é o especialista da pele e é aquele que melhor saberá avaliar essa lesão, bem como o resto da pele.

Se em algumas doenças inflamatórias pode ocorrer uma cura espontânea, essa forma de evolução não é esperada no cancro da pele. Por isso, a atitude de “ver se passa” nunca é adequada numa suspeita de cancro. Pelo contrário, o diagnóstico precoce permite tratamentos mais atempados e, em regra, um melhor prognóstico.

Outro assunto que tem levantado dúvidas a muitos pacientes é se devem ou não realizar uma consulta de dermatologia em tempos de pandemia covid-19.

Se é bem verdade que no momento que atravessamos a todos é recomendado o isolamento social e o maior recolhimento possível, tal não implica deixar de tratar outras doenças. Deve haver um equilíbrio na gestão dos diferentes riscos. Perante a suspeita de uma doença potencialmente grave, é importante não adiar a avaliação médica. É fundamental, no entanto, garantir que todas as medidas de protecção actualmente recomendadas contra a covid-19 são cumpridas pelo próprio, bem como pelas instituições de saúde. 

Depois de termos todas estas informações, muitos pacientes interrogam-se se têm razão para se preocupar. Existem efectivamente alguns factores de risco para cancro de pele, tais como a pele e olhos claros, os cabelos ruivos, deter muitos sinais (>50), algumas doenças genéticas (como a doença Xeroderma Pigmentosa) a exposição solar intensa e/ou muito frequente, ter sofrido queimaduras solares no passado (especialmente na infância e adolescência), estar a fazer tratamentos imunossupressores, entre outros como a exposição a agentes carcinogénicos ou outras fontes de radiação. No entanto, mesmo as pessoas que não têm estes factores de risco, poderão vir a desenvolver um cancro da pele.

Perante uma lesão suspeita, a preocupação deve existir na medida suficiente de procurar a avaliação por um dermatologista, sem pânico e, sobretudo evitando recorrer a fontes de informação pouco ou nada fiáveis disponíveis na Internet.

É fundamental acompanharmos a nossa pele e sabermos quando procurar ajuda de um dermatologista, mesmo em tempos de pandemia.

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