Sobre o desprestígio da classe: os pontos nos ii

Prevejo que o atual Governo verá apenas uma janela de oportunidade para, mais uma vez, poupar na Educação!

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Adriano Miranda

Depois de todas as previsões das autoridades sanitárias, nacionais e internacionais, apontarem para que a situação epidémica comece a normalizar-se apenas no princípio de 2021, o Ministério da Educação (ME), finalmente, falou de setembro. Já não era sem tempo! Mal seria, ao menos, que não olhasse para o próximo ano letivo, usando o modelo a que nos habituou: contar sempre com quem costuma desprezar, misturar a ideia de um e a ideia de outro, não citar, e apresentar, com pompa e circunstância, um documento com as típicas Orientações.

E que disse o ministro da Educação? Que seria para continuar em sistema misto, isto é, ensino presencial e remoto. Ora aqui importa colocar os pontos nos ii.

Que até aqui os professores tenham feito um sacrifício, comprando material tecnológico, formando-se exaustivamente online, para conseguirem adaptar-se às exigências extraordinárias e urgentes, até podemos aceitar. Que daqui para a frente se pretenda continuar com este formato, sem prover os professores de apoios, designadamente de material apropriado, já me parece um enorme aproveitamento da situação.

Não podemos aceitar mais esta tentativa de desprestígio da classe. Se o que fizemos antes nos dignificou, se aceitarmos agora estaremos a desprestigiarmo-nos. Fui, desde do início, defensor do fecho das escolas. Posteriormente defendi o terminus do ano letivo. Depois coloquei-me contra a abertura, mesmo que só para o secundário, pelo que defendi este sistema de ensino remoto, atendendo à situação extraordinária, sem sequer entender algumas queixas de colegas, relativas ao uso abusivo, por parte do ME, dos nossos meios tecnológicos, do nosso serviço de internet, aos horários totalmente “loucos” e outras tantas queixas, mas não entendi porque quis acreditar que a situação a isso obrigava e que seria transitória pois quem de direito estaria a acautelar o reinício em setembro.

Só que me enganei. Senti, portanto, a necessidade de alertar para o facto de ser urgente começar a planear setembro, quando ainda se discutia se se testavam ou não os professores, para a reabertura a 18 de maio.

O ministro da Educação mostrou esta semana manter uma certa agrura para com os professores, quando disse que vai processar disciplinarmente os que inflacionarem as notas, partindo do princípio que a desonestidade impera dentro da classe, e piorou quando acrescentou que o próximo ano letivo servirá para atestar as aprendizagens destes últimos meses, subentendendo-se das suas palavras que talvez os professores não tenham conseguido!

Talvez sem noção do que acabara de dizer, acrescentou que o ensino será misto e rapidamente nos apercebemos que estamos perante alguém sem lucidez suficiente para fazer frente aos tempos difíceis que se adivinham.

Não conheço ninguém, mesmo aceitando que possa haver, que aprecie a forma como este ministro tem gerido a pasta da Educação e creio que isto trará consequências já em setembro.

A forma como se prevê que querem resolver a situação, fazendo com que os professores continuem a trabalhar a triplicar, fazendo presencial e remoto, sem intenções de contratar mais professores, apenas fazendo a gestão eficiente dos recursos, sem intenção de munir todos os professores, através de subsídios, de material tecnológico para a prática do ensino remoto, parece-me o princípio do seu fim!

Ao invés poderia o ME, tendo em conta as desigualdades sociais, bem visíveis através do número de alunos sem acesso à internet e sem equipamentos informáticos, reforçar o orçamento às escolas públicas para que possam adquirir equipamentos para emprestar aos alunos. No mesmo sentido, é preciso pensar nos professores, no reforço do Estado à aquisição ou empréstimo de equipamentos tecnológicos (sem esquecer a necessidade de um novo Plano Tecnológico para a Educação e para os Recursos Educativos Digitais) para desenvolverem o ensino online a partir da casa de cada um. Neste tempo de emergência, os responsáveis governamentais e as autarquias devem ter a preocupação de pensar nos professores, nos alunos e nas famílias, nas suas angústias e dificuldades, criando respostas eficientes para minimizar as desigualdades.

O apelo que faço, não é só aos professores, é a toda a sociedade, aos pais que não aceitem qualquer coisinha oferecida pela escola estatal, aos professores que não aceitem que uma situação extraordinária onde todos demos o nosso melhor, ultrapassando todos os limites de direitos laborais, se torne permanente sem que sequer nos incluam na equação das soluções.

Escrevi em tempos que poderíamos aproveitar a atual situação e torná-la numa janela de oportunidade, mas prevejo que o atual Governo verá apenas uma janela de oportunidade para, mais uma vez, poupar na Educação!

Tenho pena, mas espero que não aceitemos!

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