A OMS está doente

Sendo a obesidade o principal problema de saúde de que o mundo padece, tal como a OMS habitualmente adverte, do ponto de vista administrativo, este é também o seu problema.

Ao longo da história, muitas foram as pandemias que desafiaram a sobrevivência humana. O combate a estas propagações era dificultado pela ausência de uma entidade internacional capaz de proporcionar orientações uniformizadas. Em 1948, a criação da Organização Mundial da Saúde (OMS) visou precisamente assegurar boas condições de saúde à humanidade, através de ações de assistência e prevenção. Desde então, esta agência da ONU ajuda os Estados-membros a implementar programas sanitários e serviços de saúde, promove pesquisa cientifica, divulga dados estatísticos, estabelece normas e difunde alertas.

Ainda que a sua importância seja inquestionável, não podemos deixar de lhe apontar criticas estruturais no seu funcionamento. Sendo a obesidade o principal problema de saúde de que o mundo padece, tal como a OMS habitualmente adverte, do ponto de vista administrativo, este é também o seu problema. Há um excesso de burocracia, envolta em alguma desorganização, o que a torna lenta na resposta a dar em momentos de crise sanitária. A estrutura é pesada, composta por seis gabinetes regionais, cada um com o seu diretor, eleito por Estados-membros das regiões correspondentes.

Não admira que na crise do Ébola e da SARS-CoV a classificação das respetivas doenças como epidemia fosse muito demorada. Os atrasos levam a que os países não tomem atempadamente decisões de contenção. Também o novo coronavírus demorou a ser considerado como uma pandemia, apenas em 11 de março, numa altura em que já havia quase 120 mil casos no mundo. E isto acontece porque a OMS obedece, em primeira instância, aos ditames dos países, que procuram esconder as calamidades, para evitar efeitos políticos adversos. Estando implicadas grandes nações da cena internacional, a capacidade de atuação da agência diminui.

Repare-se como, no contexto da covid-19, os especialistas internacionais de saúde só tiveram autorização de entrada na China no final de janeiro de 2020. Até lá, a organização foi repetindo a informação lançada pelas autoridades chinesas, uma parte desastrosa. Em 23 de janeiro, não reconhece a transmissão de pessoa-para-pessoa da covid-19, pese alertas de especialistas de saúde em Taiwan em sentido contrário. Acresce o facto de este país-território ter deixado de participar na organização, como observador, por pressão política de Pequim. Uma retaliação face à não aceitação do princípio de “uma só China” pela Presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen.

Muitas têm sido as vozes que têm chamado a atenção para uma reforma da OMS. A chinesa Margaret Chan, que liderou a OMS (2007-2017), empenhada na luta da epidemia H1N1 (2009-10), já tinha admitido que “estava na hora de se parar de falar” e, naturalmente, passar-se mais à “ação rápida”. Também a Associação Médica Mundial (AMM), uma confederação internacional de associações independentes, representando cerca de dez milhões de médicos, tem demonstrado forte criticismo. Acusam-na de estar muito envolvida em “jogos políticos”, tornando-a pouco eficiente nos momentos necessários. Acrescem ainda criticas ao despesismo da organização, más práticas de alguns colaboradores e suspeitas de corrupção. Acresce o criticismo do Presidente americano, Donald Trump, ameaçando cortar as doações. Acusa-a de “má gestão”, “ocultação de informação” e o alinhamento com os interesses chineses, embora, neste caso, numa clara tentativa de desviar a atenção sobre as suas incompetências na gestão da mesma crise.

É um facto que a China tem vindo a ganhar capacidade de influência no sistema da ONU, incluindo a adoção de conceitos, projetos e ideias advindos da governação de Xi Jinping. Também a escolha de Tedros Ghebreyesus para liderar a OMS resulta do apoio de Pequim. Este etíope representa na organização o “sul global”, do mundo em desenvolvimento, a que a China ideologicamente pertence. Não admira que no início da pandemia Tedros se tenha mantido irredutível em apontar a Pequim qualquer falha no processo, refugiando-se na advertência à proliferação de fake news. Uma atitude não muito diferente da que tomou enquanto ministro da Saúde no seu próprio país.

É importante que surjam lideranças descentralizadas nas grandes organizações internacionais, oriundas de países que representam as partes mais débeis do mundo, tal como a Etiópia. O que não pode acontecer é que a ocupação destes cargos ganhe uma excessiva dimensão política e ideológica, conduzindo a uma maior divisão no mundo entre o norte e o sul.

Nota: O texto vincula apenas a opinião do autor

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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