As companheiras da clausura

Ao ritmo dos dias de confinamento, as plantas e as flores que foram surgindo nos passeios de Adriano Miranda deram-lhe novas medidas de tempo e aprofundaram o significado de várias palavras, como “liberdade”

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Só se dá valor à liberdade quando a liberdade deixa de ser um direito absoluto. Semanas seguidas a olhar pelas vidraças. O vento, a chuva, o Sol e a Lua. Um gato, um bando de pássaros, as árvores e as plantas, numa eterna comunhão. E nós, humanos, na extrema clausura de medos e de dúvidas. Resistimos ao som dos números. Envelhecemos a cada segundo perdido. O tempo não pára. E nós vamos murchando. A falta que a liberdade nos faz.

A casa transformou-se em fortaleza. Pela manhã, a porta abria-se para receber o pão. Depois, encapuzado como um fugitivo, respirava ar puro pelas ruas sem automóveis, pelos campos sem tractores, pelos passeios sem homens nem mulheres. Dialogava com os pensamentos e com as plantas da berma da estrada. Algumas, as mais bonitas, faziam-me companhia até à fortaleza. Espalhadas por jarras e por copos cheios de água para lhes prolongar a vida, davam outro sentido ao meu confinamento. E, quase todos os dias, furava a quarentena em busca de novas companheiras.

Foram ganhando formas estranhas. Mudaram de cor. Vergaram-se perante a clausura imposta numa jarra de vidro. Faltava-lhes a terra. O substrato. O vento e a chuva. Morreram. Com todo o cuidado, para não as magoar, fotografei uma a uma, secas ou mirradas. Com todo o carinho. As minhas companheiras da momentânea falta de liberdade. Até o cravo não resistiu. As jarras estão agora vazias. A liberdade vai voltar a passar por aqui.