Um pouco de tino na discussão sobre os sefarditas

Para se obter a nacionalidade, é preciso querer, sentir e merecer sem discussão. Não podem bastar uns milhares de euros investidos numa árvore genealógica, num parecer ou nos serviços de advogados que se especializaram no negócio.

A discussão sobre a concessão de nacionalidade portuguesa a descendentes de sefarditas envolve traumas da memória histórica, preconceitos larvares da xenofobia ou emoções bafientas do patriotismo nacionalista e tem, por isso, todos os ingredientes para correr mal. Deixou, por exemplo, de ser possível afirmar que a nacionalização desses descendentes se transformou num negócio especulativo. É arriscado discutir sobre se faz sentido atribuir nacionalidade portuguesa a membros de comunidades com uma ligação distante e remota ao país. É quase até proibido tentar perceber se os mecanismos que ligam essas comunidades à sefarad dos séculos XVI e XVII se baseiam em provas cabais, ou se não há o risco de falsificação da memória.

Ponto prévio: a lei de 2013 que abriu a oportunidade de nacionalização aos sefarditas é nos seus princípios e nas suas finalidades de uma irrecusável justiça. Talvez por isso foi aprovada por unanimidade e acolhida com simpatia pelos portugueses. Mas, passaram sete anos, e é normal e desejável que o legislador faça a sua avaliação e, eventualmente, lhe introduza correcções. Espanha, que aprovou uma lei bastante mais exigente do que portuguesa (exigia que falassem castelhano e tinham de receber o passaporte num registo em Espanha, por exemplo), acabou com a concessão de nacionalidade em 2019 e em boa razão pelos mesmos motivos que levam o parlamento a suscitar a sua reanálise: os pedidos de nacionalidade avolumaram-se, combinando pretensões legítimas e sinceras de descendentes de sefarditas com interesses cuja finalidade é apenas a obtenção de um passaporte europeu, português ou lituano tanto faz.

É por isso que, se faz todo o sentido manter aberta a nacionalidade portuguesa a descendentes de sefarditas sem exigências discutíveis, não se pode considerar que a exigência de uma “efectiva ligação à comunidade nacional” seja uma manifestação de antissemitismo, como se chegou a ouvir por aí. A cidadania portuguesa pode depender de uma vaga, porque remota, ligação a Portugal. Para se obter a nacionalidade, é preciso querer, sentir e merecer sem discussão. Não podem bastar uns milhares de euros investidos numa árvore genealógica, num parecer das comunidades israelitas de Lisboa e Porto e nos serviços de advogados que se especializaram no negócio. A culpa histórica não basta para se prescindir de exigências similares às que são colocadas aos netos de portugueses que pretendem a nacionalidade. Com o número de pedidos de nacionalidade de sefarditas a disparar, há-de ser possível um equilíbrio entre a reparação histórica e a abertura ao mundo que se exigem com os valores inerentes à condição de nacionalidade que não se dispensam.

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