A pandemia fez nascer nos Açores o primeiro parlamento virtual português

Desde Abril que os trabalhos da Assembleia dos Açores decorrem de forma totalmente virtual. A operação foi “complexa”, mas o balanço é positivo. Anda não há data para o regresso ao parlamento presencial.

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WhatsApp tornou-se instrumento para fazer política Reuters/DADO RUVIC
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Reunião do parlamento açoriano por videoconferência D.R. Rui Soares
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Francisco César (PS-Açores) D.R. Rui Soares
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Um dos últimos plenários D.R. Rui Soares

Uma vez por mês, deputados das nove ilhas dos Açores deslocam-se à cidade da Horta, no Faial, para o plenário da Assembleia Legislativa Regional. Uma prática vigente desde o início da autonomia e que mudou com a pandemia de covid-19, até porque as ligações aéreas entre ilhas, operadas pela SATA, estão suspensas desde 19 de Março.

“Rapidamente percebemos que era importante encontrar uma solução viável e duradoura. Não valia a pena a adiar o plenário como fizemos inicialmente” começa por dizer ao PÚBLICO Ana Luís, presidente da assembleia regional. A solução passou por fazer da assembleia dos Açores o primeiro parlamento virtual da democracia portuguesa.

O primeiro passo foi “estudar juridicamente o caminho alternativo” e resultou na adopção de um regime excepcional. A decisão baseou-se no pressuposto da omissão (nenhum documento impede os trabalhos virtuais) e o da obrigatoriedade de manter a competência legislativa. “A assembleia não pode parar. Somos o órgão legislativo”.

O segundo passo foi montar o sistema. O processo foi facilitado por uma decisão de 2007, que dotou as oito delegações da Assembleia de salas de videoconferência, porque desde essa altura perceberam-se os “ganhos financeiros” e de “eficiência” das videochamadas: “Já aí fomos pioneiros”, avança Ana Luís.

Mas a operação é “muito mais complexa” quando se trata de suportar a presença de 100 pessoas em simultâneo, entre os 57 deputados, a mesa da Assembleia, os membros do Governo, os técnicos do parlamento e os jornalistas. Foi necessário adquirir uma nova versão do programa de videochamada, alargar a funcionalidade da rede e criar salas virtuais para cada comissão, para a mesa da assembleia, para a conferência de líderes e para o plenário. Sempre com a garantia de “segurança, dignidade e fidelidade”. Foi também preciso dotar os utilizadores de “conhecimentos mais técnicos” e “adaptar tempos, protocolos e formas de intervir” dos deputados.

“Já tivemos a experiência de plenário, com quatro dias de trabalho, mais de oito horas consecutivas e as falhas foram diminutas”, refere a presidente da assembleia regional, enaltecendo o trabalho dos serviços de informática que montaram tudo no “tempo recorde” de duas semanas.

Um plenário articulado por WhatsApp

A decisão de substituir as bancadas da assembleia pelos ecrãs dos computadores foi consensual entre os seis partidos com presença no parlamento regional – PS, PSD, CDS, BE, PCP e PPM.

Para o responsável pela maior bancada, o balanço é “razoavelmente positivo”. “O parlamento não parou, o parlamentou adaptou-se às circunstâncias”, afirma Francisco César, líder parlamentar do PS. O mais “cansativo” é assegurar a coordenação da bancada. Uma solução passa por aumentar o número de reuniões. A outra, utilizada sobretudo durante o plenário, é fazer uso do WhatsApp. Em suma, é tudo “bem mais difícil”: “antes bastava um telefonema ou uma troca de olhar, não é fácil a coordenação online”, resume.

Mas as dificuldades vão permitir “facilitar a comunicação para o presente e futuro”. Actualmente, Francisco César já vê diferença porque consegue reunir os deputados socialistas de forma “muito mais rápida e concertada”. Além disso, as mudanças espelharam a “maturidade democrática” dos diferentes partidos: “num plenário virtual é muito fácil as coisas não correrem bem”, releva.

Foi por isso que, segundo Luís Maurício, líder parlamentar do PSD, houve um “compromisso” entre os deputados para não haver interrupções aquando das intervenções. “Globalmente, é uma experiência positiva, mas, como é evidente, falta a energia da interactividade e a espontaneidade”, refere Maurício, salientando o carácter “excepcional” do funcionamento virtual, que deverá durar “até à abertura do espaço aéreo”. Também para o líder parlamentar do PSD-Açores houve uma “sobrecarga” do trabalho. “A nossa coordenação numa sala virtual obriga a um esforço suplementar entre todos”, diz, referindo que, além das reuniões prévias, durante o plenário trocam “dezenas” de SMS e mensagens no WhatsApp.

Não é apenas a preferência pelo WhatsApp que os dois partidos partilham. Ambos acreditam que o modelo virtual não vai substituir o presencial, mas é dado adquirido que facilita a comunicação num arquipélago disperso por nove ilhas. “Em algumas situações já funcionávamos por videoconferência, mas é provável que possa ser potenciado para evitar deslocações”, diz Luís Maurício. Francisco César, por sua vez, ressalva que a política “não pode existir sem contacto pessoal”, mas que graças à pandemia as reuniões virtuais passaram a ser a “regra”.

Já a presidente da assembleia assume que o trabalho das últimas semanas fez “caminho para o futuro”, mas não concebe que a “intimidade possa ser substituída por monitores”. Como não há data para o regresso do parlamento presencial, certo é que a oratória dos parlamentares açorianos irá continuar a ser transmitida pela webcam de cada um.

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