Hotel, doce hotel

Nós, açorianos, estamos acostumados a enfrentar tempestades e sismos todos os anos e esta pandemia é mais uma adversidade para se lhe juntar: sempre com coragem e cautela.

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Morgan Lane/Unsplash

Escrevo este texto na mesa de um quarto de hotel, na cidade de Ponta Delgada, para onde fui encaminhado para realizar a quarentena obrigatória implementada pelo Governo Regional dos Açores aos passageiros provenientes do exterior da Região Autónoma.

Aterrei a 12 de Maio, num voo da TAP, ao aeroporto João Paulo II. Quando cheguei ao aeroporto, e antes de apanhar a minha bagagem, foi-me explicada a situação toda e como a quarentena iria funcionar, tendo eu partilhado os meus dados pessoais com os profissionais de saúde presentes, para que a Direcção Regional da Saúde me contactasse e me acompanhasse no dia-a-dia durante os 14 dias de confinamento (perguntando por sintomas e esclarecendo dúvidas acerca da situação).

Já estou neste quarto de hotel há praticamente uma semana e a realização das quarentenas neste espaço reúne todas as condições. Tenho três refeições por dia, entregues às horas previamente estabelecidas, e qualquer necessidade que eu tenha é atendida pelo hotel de forma rápida e com boa disposição.

A 15 de Maio, dois profissionais de saúde bateram à porta do meu quarto para um teste de despiste de covid-19 e, sabendo eu que o teste iria ser efectuado no final da quarentena, achei estranho o facto de ter de ser exposto ao mesmo tão cedo.

No dia seguinte, 16 de Maio, vim a descobrir a razão para realizaram os testes com bastante antecedência: um queixoso que teve de ser posto em quarentena obrigatória num hotel da região (situação normal) prosseguiu com pedido de libertação imediata, que foi entregue no Tribunal de Ponta Delgada. Resultado: a medida de quarentena obrigatória numa unidade hoteleira para quem viesse de fora dos Açores foi dada como inconstitucional. Considerou-se que “as quarentenas são inconstitucionais por violarem a liberdade do cidadão”.

Depois desta decisão judicial, a festa começou na opinião pública açoriana. As redes sociais encheram-se de partilhas contra a decisão do Tribunal, muitos apontando que a lei está acima da saúde da população regional e que a intervenção do queixoso e do advogado fora lamentável. Comentários acesos, justiça popular, publicações da população na rede social do advogado, chegando a opinião até a uma homilia por parte do cónego Adriano Borges (Reitor do Santuário da Esperança, em Ponta Delgada).

Temos de ver a situação como um pau de dois bicos. Eu gostaria que a medida fosse válida durante toda esta situação pandémica, para que o controlo máximo perante o vírus fosse assegurado. Contudo, todos nós tínhamos noção de que, um dia (de preferência gradualmente), esta medida teria um fim.

Será que o Governo Regional tinha que ter noção de que a obrigatoriedade da quarentena em hotéis findo o estado de emergência reflectia a violação de um direito fundamental? Óbvio. Contudo, e dando os meus parabéns, todas as acções tomadas pela Direcção Regional de Saúde só têm tido em vista a garantia da saúde pública de uma maneira formidável.

O pânico geral com a decisão judicial tem que ser diminuído (e eu percebo plenamente tal situação), mas sempre cautelosos. Apesar de um mecanismo de controlo da pandemia ter ido por água abaixo, foram garantidas rapidamente outras formas de assegurar o não contágio a partir do exterior da região, através de testes de despiste e até da tão falada quarentena no hotel para quem se recusar a efectuar os mesmos.

Apesar da controvérsia judicial — e, aos olhos de muitos, da má intenção do queixoso —, confio plenamente nas capacidades do Governo Regional. Saúdo, principalmente, a Direcção Regional de Saúde — e especialmente o director, Tiago Lopes —, por terem estado quase sempre à altura dos acontecimentos neste clima de medo e alguma desinformação.
Nós, açorianos, estamos acostumados a enfrentar tempestades e sismos todos os anos e esta pandemia é mais uma adversidade para se lhe juntar: sempre com coragem e cautela.

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