Respostas sociais: da covid para regressar ao futuro

Urge dar conta que sabemos lidar com as mudanças societais e sabemos cuidar dos meios que lhes são adequados e, em matéria das proteções humanas, importa não dispensar (ou minimizar) as respostas sociais.

Entre as múltiplas dimensões abaladas com a pandemia da covid-19, sem dúvida que, a par do enorme sobressalto sanitário, as formas de vida coletiva e comunitária sofreram/sofrem restrições de monta com alcance para o futuro.

As respostas sociais estão entre as modalidades de vida coletiva que se ressentiram deste abalo e estão a braços com um esforço de adaptação exigente e, ainda em muitos dos seus aspetos, não plenamente previsíveis.

A designação de respostas sociais é amplamente usada especialmente entre os profissionais e organismos que lidam com diversas áreas da proteção social e de tal modo se consensualizou que, por vezes, fica pouco espaço para nos perguntarmos, como bem lembrava um analista destas matérias, se estas são as respostas, quais são as perguntas? Este parece ser um novo momento para retornarmos à pergunta, apesar de não ser grande adepta do entendimento da crise como mera oportunidade, pois hoje este lugar comum não é amigável nem ajustado para ser exibido junto de muitos que não têm encontrado nas crises senão desespero e becos sem saída.

No exercício de pensar quais são as perguntas que sustentam as respostas sociais, vários outros exercícios podem ser descritos.

1. Desde logo, a necessidade de identificar hoje quais são as razões e as circunstâncias que justificam uma dada resposta. É que há “respostas” que tomam a realidade social e os problemas sociais como coisas que se dão naturalmente a conhecer e que, basicamente, vão sendo os mesmos, apenas com pequenas alterações. É urgente desafiar este conhecimento atrofiado da realidade e, nesta matéria, o abalo atual não é apenas epidémico e muito menos epidérmico. Investir num (re)conhecimento atualizado requer, antes de mais, ser capaz e preparar-se para um novo (a)normal.

2. As respostas sociais, na sua maior parte, materializam-se num espaço físico, de expressões e formas muito diversas. A escassez ou insuficiência destas estruturas, embora assimétricas a nível nacional,  tem justificado soluções muito díspares, embora alegadamente alinhadas com o sentido de responder à realidade que se perceciona.  Desde modalidades espacialmente abreviadas (na lógica do melhor pouco que nada) até modalidades com outras conceções. (Re)olhar o formato e uso dos espaços atuais das respostas sociais é parte do esforço hoje mais necessário ainda. A pedagogia do vírus exige dar nota da capacidade aprendente das instituições, que, além do que já sabiam, têm hoje por diante novos conhecimentos também no domínio da conceção e usos espacial.

3. Uma outra dimensão identitária destas respostas é serem designadas de sociais. Sabemos que é um designativo de múltiplos sentidos, mas aquele que mais gostaria de acentuar é a sua presença societal, com sentido e alcance maior do que o grupo de cidadãos/cidadãs utentes, dos agregados e famílias, das entidades parceiras, d@s profissionais com que mais diretamente lida. Será que hoje (re)pensar a dimensão social das designadas respostas sociais pode sugerir um espaço maior de intervenção e um compromisso para além do estritamente organizado em valências? A dimensão comunitária do pensar-fazer social não pode ser uma dimensão descartável, desde sempre, mas hoje de novo pela pesada (re)descoberta da interdependência social e das vantagens solidárias.  Trabalhar a dimensão comunitária só por razões da inclusão específica de partes/grupos da sociedade é uma escolha cujos resultados têm sabido a (muito) pouco.

4. O corpo de profissionais das respostas sociais (os quais são bem mais e bem mais diferentes do que os designados meros “recursos” humanos) estão visivelmente a viver uma enigmática encruzilhada. O que têm, hoje, de mais seguro são as mudanças em curso. Pensando exemplificativamente n@s Assistentes Sociais, pode constatar-se que as condições pandémicas têm abalado o seu agir profissional, não só pela exigência de enfrentar condições pouco conhecidas, mas ainda porque os seus vínculos laborais (precários em muitos casos) são postos em causa, designadamente por categorias profissionais que têm confundido (por ignorância ou oportunismo?) a acentuação dos cuidados sanitários, com a plena dimensão social das respostas sociais. Em agenda, temos hoje uma (re)definição das zonas profissionais especificas, mas , sobretudo, as zonas de convergência (inimigas das supremacias fáceis e de secretaria).

5. Porque preferimos falar para encarar um novo futuro, parece-se-nos indispensável ter deixado elencados alguns domínios que, ao longo da crise pandémica, revelaram desadequação face às necessidades quotidianamente evidenciadas. E esta é uma das dificuldades do presente-futuro: o ritmo em que ocorrem as necessidades é um tempo de descompasso com as práticas tornadas instituições e que, como tal, se afirmam pela presença e menos pela sua competência dinâmica.

Urge dar conta que sabemos lidar com as mudanças societais e sabemos cuidar dos meios que lhes são adequados e, em matéria das proteções humanas, importa não dispensar (ou minimizar) as respostas sociais, exigindo que, a par dos recursos pecuniários (necessários a tod@s) e das liberdades humanas se constituem numa indispensável tríade básica.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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