Deputado do PS vota a favor de concurso ao qual concorre e Eduardo Vítor é forçado a cancelá-lo

Num outro concurso, Câmara de Gaia alterou regras do jogo a meio do procedimento concursal e cria uma vaga para uma ex-funcionária da Cooperativa de Solidariedade Social Sol Maior, da qual o autarca foi co-fundador.

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Presidente da Câmara de Gaia anulou concurso para técnico superior da autarquia fvl Fernando Veludo/NFACTOS

Dois concursos promovidos pela Câmara de Gaia para técnicos superiores da autarquia na área das Relações Internacionais e da Sociologia geraram controvérsia. Um acabou por ser cancelado e, em relação ao outro, a autarquia socialista mudou a meio do jogo as regras do procedimento concursal para abrir mais uma vaga, na qual entrou uma ex-funcionária de uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) da qual Eduardo Vítor Rodrigues é co-fundador.

Ambos os concursos foram lançados em Maio de 2018 e tiveram muita procura. Ao lugar de técnico superior com licenciatura em Relações Internacionais apresentaram-se 66 candidatos, embora apenas 40 tenham sido admitidos. O concurso para técnico superior com licenciatura em Sociologia contou com 56 candidatos, mas sete foram excluídos por não reunirem condições. Entre os candidatos há dois que ganharam relevância, mas por razões diferentes: Nuno Filipe Oliveira Cardoso e Manuel Bronze. Ambos são militantes do PS em Gaia.

O primeiro é deputado municipal e o segundo trabalhou durante quatro anos como secretário do vereador Manuel Monteiro (adjunto do presidente), de cujo gabinete saíram os procedimentos concursais. Nuno Cardoso candidatou-se a técnico superior na área das Relações Internacionais mas o concurso viria a ser anulado na terceira e última fase (entrevista profissional de selecção) depois de o júri ter tido conhecimento de que o candidato, na qualidade de deputado municipal, votou (a 26 de Fevereiro de 2018) a proposta do concurso a que se viria a candidatar pouco depois. Já Manuel Bronze candidatou-se e técnico superior da autarquia na área da Sociologia.

Antes de ter conhecimento desta situação, o júri do concurso, constituído por Vera Pacheco (directora municipal para a Inclusão Social), Miguel Lemos (administrador executivo da empresa Águas de Gaia) e Patrícia Lopes (adjunta do presidente) dizia que Nuno Cardoso “reunia as condições para a admissão” ao lugar.

Questionada pelo PÚBLICO, a Câmara de Gaia confirma que o concurso foi anulado e aponta razões de “segurança e transparência” para a decisão. “Por força da alvitrada dúvida de incompatibilidade entre o cargo de deputado municipal exercido por Nuno Filipe Oliveira Cardoso e a figura de candidato ao procedimento concursal, considerando a sua participação na deliberação da assembleia municipal e após ter tomado conhecimento dos factos pelo júri, foi decidido pelo presidente da câmara anular de imediato o procedimento concursal (…)”, explica o município numa resposta escrita enviada ao PÚBLICO.

“Independentemente da filiação partidária, todos os candidatos são tratados de igual forma, pelo que, apesar da posição de provável entrada no âmbito deste concurso, o presidente da câmara não teve dúvidas em anular o concurso”, acrescenta o município, sustentando que o facto de “ser deputado municipal não é um impedimento legal. A dúvida reside na sua participação na votação [da proposta do concurso]. Perante a dúvida, e sem recursos a pareceres jurídicos, porque a questão, mais do que jurídica, é ética, o presidente da câmara anulou o procedimento”.

O que diz a Lei da Tutela Administrativa sobre isto? O art. 8 da Lei n. 27/96 refere que “incorrem em perda de mandato os membros dos órgãos autárquicos que, no exercício, das suas funções, ou por causa delas, intervenham em procedimento administrativo, acto ou contrato de direito público ou privado relativamente ao qual se verifique impedimento legal visando a obtenção de vantagem patrimonial para si ou para outrem”.

Uma vaga passa a duas

O outro concurso, a que concorreu Manuel Bronze, que foi o melhor classificado, foi alterado enquanto decorria. Tal como o caso anterior, também este foi alvo de polémica nas redes sociais. O concurso previa apenas um lugar para técnico superior. No entanto, a câmara decidiu mudar as regras a meio do jogo, alargando-o a duas vagas. “O concurso foi originalmente aberto para um lugar, tendo decorrido ao longo de mais de um ano e meio. Contudo, atendendo às necessidades demonstradas pelos serviços e ao processo de descentralização em vista, foi proposta mais uma vaga pelos serviços, e autorizada em reunião de câmara”, informou o município, sublinhando que “quando a decisão foi tomada não era conhecida a ordenação dos candidatos”.

Manuel Bronze obteve a classificação de 15,50 valores e em segundo lugar ficou Sandra Amaro. Ambos têm ligações à Cooperativa de Solidariedade Social Sol Maior. Em 2017, depois de deixar o município, Manuel Bronze integrou a equipa daquela IPSS no âmbito dos Contratos Locais de Desenvolvimento Social - 3G ligada ao Programa Capacitar Gaia, promovido pela câmara, e no ano seguinte candidata-se ao concurso para técnico superior. Já a ligação de Sandra Amaro à Cooperativa Sol Maior é bem mais antiga e remonta a Setembro de 2008. Nessa altura trabalhou como técnica superior da equipa multidisciplinar Protocolo RSI (Rendimento Social de Inserção). O seu vínculo laboral com aquela instituição terminou a 28 de Fevereiro de 2020 e três dias depois ingressava nos quadros da câmara como técnica superior.

Licenciada em Sociologia, Sandra Amaro faz parte da direcção da Cooperativa Sol Maior, integrando como vogal o conselho fiscal, presidido pelo deputado João Paulo Correia. Antes, entre Janeiro de 2001 e Setembro de 2008, trabalhou na Junta de Freguesia de Oliveira do Douro, à qual presidiu Eduardo Vítor Rodrigues.

Fora do concurso para técnica superior (na área da Sociologia) ficou Vânia Cardoso, mulher de Nuno Cardoso. Também Vânia Cardoso passou pela Sol Maior, uma das principais instituições de solidariedades social do concelho com quem a câmara passou a contar após a chegada de Eduardo Vítor Rodrigues à presidência da autarquia socialista.

 

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