“Cancelar-nos as feiras é a mesma coisa que cortar-nos as pernas.” A agonia dos empresários de diversões

Empresários do sector das diversões e restauração itinerantes queixam-se de terem ficado sem rendimentos depois de as festas e romarias terem sido canceladas. Há famílias inteiras a passar grandes dificuldades, dizem, por isso apelam ao Governo que permita o regresso à actividade. Estão em protesto em Lisboa e já houve momentos de tensão.

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Empresários do sector das diversões reunidos em protesto junto ao Parlamento esta quinta-feira Gonçalo Portugal Guerra
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Empresários do sector das diversões reunidos em protesto junto ao Parlamento esta quinta-feira Gonçalo Portugal Guerra
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Empresários do sector das diversões reunidos em protesto junto ao Parlamento esta quinta-feira Gonçalo Portugal Guerra

Saul Teixeira nasceu no meio das feiras. Já o avô, depois o pai, andavam a divertir pessoas nas festas e romarias, de Norte a Sul do país. Hoje, este homem de 39 anos atiça a gulodice de quem vai às feiras, com waffles, crepes e farturas. A família, como ele, seguiu as pisadas dos seus ascendentes e continuou ligada às feiras. A crise por que passam agora, com feiras, festas e romarias a serem sucessivamente canceladas, atinge contornos dramáticos e nunca antes visto: “Irmãos, mãe, sogra, tios, tias, primos, primas... é toda uma família que ficou sem meio de sustento.”

Saul faz parte de um grupo de empresários itinerantes certificados do ramo da diversão — reduzido por causa da pandemia — que se manifestava na manhã desta sexta-feira no exterior do Ministério do Trabalho e da Segurança Social, na Praça de Londres, em Lisboa. Já na quinta-feira tinham passado por São Bento, apelando ao Governo que, neste período de regresso à normalidade possível, permita a realização das suas actividades. Garantem que cumprirão as regras de segurança que forem definidas, limites à lotação das atracções, para que possam ganhar algum. Caso contrário, estarão cerca de um ano e meio sem poderem montar as atracções. 

O sector das diversões, segundo estimam, envolve mais de 800 microempresas — grande parte delas familiaresTêm um trabalho sazonal e imprevisível, de sete, oito meses, de Março a Setembro, Outubro. Com a pandemia, festas, feiras e romarias, santos populares foram sendo cancelados. E os telefonemas a informá-los de novos cancelamentos continuam a chegar. “Vai passar o Verão e nós não temos trabalho”, preocupa-se Saul Teixeira. 

O dinheiro que fazem nos meses de Verão serve para se aguentarem o resto do ano e para investirem nas atracções. Aproveitam o Inverno para reparar diversões, equipamentos, camiões, preparando a nova temporada de festas. “Chegou a altura de ir reaver o dinheiro e ficámos sem trabalho. Isto quer dizer que vamos ficar parados um Inverno, um Verão e ainda outro Inverno, porque não há festa”, nota Joaquim Alves, proprietários de um daqueles jogos, onde quem tiver boa pontaria leva peluches para casa. 

Há empresários que investiram em novos equipamentos e que se vêem agora com créditos que não sabem como pagar. Os únicos apoios a que podem recorrer, dentro daqueles que foram lançados pelo Governo para fazer face aos efeitos sociais e económicos provocados pela pandemia, são os que se destinam a empresários em nome individual. No entanto, muitos destes empresários não são abrangidos pelas ajudas, porque estão meses sem facturar e sem descontar. 

“Como é que vamos arrancar para as feiras sem dinheiro”

Quem ali se concentra divide-se no que deve ser feito: uns defendem que o desconfinamento deve ser alargado e permitir a realização de feiras e romarias para que regressem o mais rapidamente possível ao trabalho. Outros defendem que deveriam receber um apoio mensal para sustentarem as famílias. 

“Há festas em que ainda é possível funcionar, principalmente algumas no Verão”, diz Alfredo Azevedo, que tem um divertimento e um bar. “Eu prefiro montar, ir ganhando o meu, do que estar à espera de um apoio. Cancelar-nos as feiras é a mesma coisa que nos cortarem as pernas.” 

Apesar do cancelamento de todos os festivais de música até 30 de Setembro, a ministra da Cultura, Graça Fonseca, disse já que algumas festas e romarias terão condições para se realizar este Verão. Mas não se sabe ainda em que moldes e se estes equipamentos poderão ser montados. 

Além da liquidez imediata, estes empresários preocupam-se também já com o futuro. “Não vamos ter como pagar as revisões dos divertimentos. Não temos como pagar aos inspectores que inspeccionam os divertimentos. Para o ano as feiras vão começar e como é que vamos arrancar para as feiras sem dinheiro?”, interroga Saul Teixeira. 

Os seguros também estão aí a aparecer, assim como o Imposto Único de Circulação (IUC) dos veículos. Eles sugerem a isenção dos seguros das viaturas que sirvam para prestar serviços das empresas itinerantes de diversão como camiões, reboques, caravanas. “Para que é que vamos pagar um seguro de um carro, que é só para as festas, para estar parado?”, protesta Joaquim Alves. 

Este empresário da zona de Lisboa costuma “abrir a época” em Aveiro. Segue depois para Matosinhos, Torres Vedras, São João no Porto, Setúbal, Corroios, Moita, Vila Franca, Póvoa de Santa Iria... “Cada um tem as suas feitas e faz a sua tournée. Mas estas feiras já estão todas canceladas”, nota. 

Destas festividades, não dependem só os empresários. Dependem também os artistas e os músicos, os técnicos que montam os palcos, as iluminações, as tendas ou o fogo-de-artifício. Por isso insistem que é preciso reiniciar a actividade. “Se o Governo quiser implementar regras, que as implemente e nós só temos que as cumprir”, insiste Joaquim. 

Eles dizem ser possível definir uma lotação máxima para os divertimentos, para que não haja tantos contactos, higienizá-los com maior frequência. “Eu acho que a nossa situação não é tão perigosa como a dos transportes públicos”, compara Alfredo Azevedo. 

Da reunião que tiveram no Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social ainda não obtiveram respostas. Tinham já enviado um conjunto de propostas, dirigidas à ministra, há duas semanas, mas não obtiveram resposta, diz Luís Paulo Fernandes, sócio-fundador da recém formada Associação Profissional Itinerantes Certificados (APIC).

“Quando o requerimento foi enviado ainda não estavam canceladas todas as festas, feiras e romarias. Neste momento já estão e alguns empresários já começam a ter muitas dificuldades económicas”, diz Luís, que gere pistas de carrinhos de choque. Pede, por isso, a suspensão dos pagamentos à Segurança Social, quer de microempresários, quer de empresários em nome individual, e “um apoio social” para as famílias que estão neste momento em maior dificuldade. 

O protesto seguiu, durante a tarde, para junto do Ministério das Finanças, onde houve momentos de maior tensão. Segundo a PSP, dezenas de feirantes tentaram furar o cordão policial, o que resultou num ferido e num detido. 

Segundo disse o porta-voz da PSP, Nuno Carocha, à agência Lusa, “houve uns empurrões” durante o protesto que provocaram um ferido com “um pequeno corte na cabeça que resultou da queda” no chão. O ferido foi transportado para o Hospital de São José.

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