Jerry Sloan teve muitas vitórias, mas faltaram-lhe os títulos

Morreu aos 78 anos o homem que treinou os Utah Jazz durante 23 anos. Chegou a duas finais da NBA, mas perdeu as duas frente aos Bulls de Jordan.

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Jerry Sloan no dia em que deixou de ser treinador dos Jazz, em 2011 LUSA/GEORGE FREY

Poucos treinadores ganharam tantos jogos na Liga Norte-Americana de Basquetebol profissional (NBA) como Jerry Sloan, mas faltaram-lhe as vitórias que dão os títulos de campeão. Faltou-lhe essa validação final, travado por duas vezes por Michael Jordan e os Chicago Bulls, a equipa onde jogou dez anos e que treinou no início de carreira, antes de aterrar na equipa que seria o seu passaporte para a história da NBA. Foi nos Utah Jazz que Sloan conquistou o seu estatuto como um dos grandes treinadores da história do basquetebol norte-americano. Treinador intenso e exigente, Sloan morreu nesta sexta-feira, com 78 anos, vítima de complicações relacionadas com uma dupla condição neurológica que o afectou nos últimos anos, doença de Parkinson e demência.

Foram as equipas dos Jazz nos anos 1990 que garantiram a Sloan um lugar no panteão do basquetebol norte-americano, mas a sua ligação de cinco décadas à modalidade começou bem antes. Natural de Illinois, Sloan era o mais novo de dez irmãos, ficou órfão de pai aos quatro anos e trabalhava na quinta antes e depois da escola. Levou essa disciplina para o basquetebol, primeiro na universidade, depois para a NBA, onde jogou 11 anos, dez deles nos Bulls, que honraram os seus serviços com a retirada do seu número 4 - com médias de 14,7 pontos e 7,7 ressaltos, Sloan, um base que chegou a jogar duas vezes no All-Star, ainda é o quinto melhor marcador e ressaltador da história dos Bulls.

Foi nos Bulls que começou a sua carreira de treinador, três épocas de sucesso intermitente, antes de se mudar para Salt Lake City e para os Utah Jazz em 1982, aprendendo o ofício como olheiro e adjunto e assumindo a cadeira principal em 1988, de onde só sairia 23 anos depois, em 2011. Em toda a sua carreira como treinador, Sloan ganhou 1223 jogos na época regular da NBA - é o quarto da lista, atrás de Don Nelson, Lenny Wilkens e Gregg Popovich - conquistou oito títulos de divisão e apenas em três épocas teve mais derrotas que vitórias.

Em 15 dos 23 anos que foi treinador dos Jazz, Sloan teve à sua disposição uma das melhores e mais complementares duplas da NBA, John Stockton (o rei das assistências) e Karl Malone (uma máquina de marcar pontos), e foi à volta deles que Sloan construiu equipas que lutaram por títulos. Foi duas vezes à final em anos consecutivos (1997 e 1998), mas em ambas as vezes baqueou em seis jogos perante os Chicago Bulls de Michael Jordan.

Mesmo depois de ficar sem as suas “estrelas” em 2003, Sloan ainda conseguiu construir equipas competitivas nos seus últimos anos de uma carreira marcada pela longevidade e pela fidelidade aos Jazz - é o segundo treinador com uma carreira mais longa ao serviço de uma única equipa (atrás, mais uma vez, de Popovich) e, durante os 23 anos em que esteve nos Jazz, houve 245 mudanças de treinador entre todas as outras equipas da liga.

“Ligo pouco aos números e essas coisas. Nunca liguei”, dizia Sloan em 2010, pouco antes de deixar de ser treinador - ainda seria conselheiro dos Jazz até 2015, quando lhe foram diagnosticadas as duas doenças. Os títulos, dizia, também não eram o mais importante para ele. Só tinha pena que os seus jogadores não tivessem um. “Há gente que acha que, se não ganhar um título, isso faz de ti alguém com menos valor. Mas também diz muito quando se continua na luta ano após ano, como nós fizemos, sempre a tentar melhorar. Isso é o que o desporto nos ensina”, dizia Sloan numa entrevista à “Sports Illustrated”.

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Sloan reclamava muito com os árbitros Jeff Mitchell/Reuters

E Sloan pediu sempre tudo aos seus jogadores, mesmo a “estrelas” consagradas como Stockton ou o “Carteiro” Malone. “Se tivesses os atacadores desapertados, se tivesses a camisola por fora dos calções, se não estivesses a fazer bem um exercício, ele chamava a atenção. A todos. Ele gritava com o John e com o Karl quando eles já tinham 19 anos de carreira. E ninguém respondia. Todos sabiam quem mandava e ninguém o desafiava”, recorda Matt Harping, um antigo jogador dos Jazz. Sloan pedia, mas também os defendia, como provam as mais de 400 faltas técnicas que teve durante a carreira por reclamar com os árbitros. “O jogo era muito importante para ele. Acho que ele tem muitas faltas técnicas porque se importava com o jogo”, dizia Stockton, um dos melhores bases de todos os tempos, ao New York Times.

Não foram só vitórias que Sloan coleccionou. Ele era um frequentador entusiasta de feiras da ladra e lojas de antiguidades, e não havia cidade que visitasse em que ele e a sua mulher não fossem numa expedição à procura de novas peças para a sua colecção. Entre as peças que coleccionou ao longo dos anos contavam 70 tractores e o seu plano, depois da reforma, era abrir uma loja de antiguidades. Mas mudou de ideias quando lhe roubaram um dos tractores e acabou por vender quase todos: “Tive de seguir em frente e livrar-me da tralha toda.”

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