SIC ofereceu apoio psicológico a crianças do Supernanny para evitar fim do programa

Tribunal Constitucional confirmou decisão da Relação que deu razão ao Ministério Público em acção contra programa de televisão da SIC. Juízes-conselheiros consideram não ser inconstitucional a norma do Código do Trabalho que exige a autorização das comissões de protecção nestes casos.

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Rui Gaudencio

A estação de televisão SIC que, em Janeiro de 2018, lançou o programa Supernanny ofereceu-se para garantir um acompanhamento especializado de um psicólogo às crianças escolhidas para participar no reality show com vista a “acautelar o respeito pelo superior interesse da criança”. Com essa proposta, pretendia enfrentar a acção interposta pelo Ministério Público (MP) para restringir ou suspender o programa em defesa do superior interesse da criança, e assim poder continuar a transmiti-lo. 

Dois episódios foram para o ar antes de o MP, junto do Tribunal de Oeiras, intentar essa acção para proteger o direito à reserva da imagem e privacidade das crianças que participaram no programa com a autorização dos pais. Os seguintes episódios foram suspensos e nunca chegaram a ser transmitidos.

A solução proposta pela equipa de advogados da SIC não colheu junto do Tribunal Constitucional (TC) e, numa deliberação de 13 de Maio, os juízes-conselheiros confirmam a anterior decisão do Tribunal da Relação de que, para participar neste programa, a estação de televisão teria de pedir autorização à Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ), como prevê uma norma introduzida no Código do Trabalho em 2009 respeitante a crianças até aos 16 anos.

Para o TC, a intervenção de um psicólogo independente neste contexto “não se compadece com o grau mínimo de cumprimento do dever do Estado de protecção das crianças estabelecido na Constituição”, lê-se no acórdão publicado na página do TC. “Essa alternativa condicionaria a intervenção da autoridade imparcial encarregue de fazer valer o superior interesse da criança – no caso, a CPCJ – ao entendimento do psicólogo assegurado pelas entidades promotoras.”

Para contestar as decisões judiciais anteriores, a SIC qualificou a necessidade de uma autorização da CPCJ de “restrição inconstitucional do direito dos pais a educar os filhos sem a intromissão do Estado na vida familiar”.

A este argumento, o TC responde que esse direito só seria posto em causa se fosse demonstrado que a norma – o aval da CPCJ – afectava o interesse do filho. “Ora o que a norma visa é, pelo contrário, fazer valer o superior interesse dos filhos, mesmo naquelas situações limite em que este pode não coincidir totalmente com o interesse” manifestado pelos seus pais, dizem os juízes-conselheiros. E concluem que “nem sempre o interesse da criança estará alinhado com o interesse dos pais”.

TC também rejeitou que esta norma seja uma “restrição inconstitucional à liberdade de expressão e informação”, invocada pelos advogados da SIC no recurso interposto, porque dela não decorre a proibição de qualquer programa televisivo, a censura do seu conteúdo, a limitação da informação transmitida, ou sequer a supressão de um personagem, mas tão só a proibição de participação de um menor no mesmo sem a prévia autorização, que ateste que tal participação não ocorre em detrimento para a sua saúde e bem-estar”.

O programa pretendia mostrar como educar uma criança mal comportada, transmitia birras descontroladas e era nessas situações que entrava em acção a Supernanny, a psicóloga na vida real, Teresa Paula Marques, no papel de ama e salvadora da situação.

A exposição desses momentos pouco abonatórios das imagens das crianças era susceptível de as transformar “em vítimas de incompreensão e segregação social nos seus ambientes sociais de eleição”, ou seja, a serem ostracizadas ou ridicularizadas pelos amigos da escola, como considerou a Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados.​ A Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ), o Instituto de Apoio à Criança e a UNICEF condenaram a exposição a que o programa sujeitava as crianças.

As CPCJ receberam, em 2018, 77 pedidos de autorização, de acordo o mais recente relatório anual das 309 comissões. “A participação da criança ou jovem em actividades de natureza cultural, artística ou publicitária”, como prevê o Código do Trabalho desde 2009, é avaliada pelos técnicos das comissões que apenas dão autorização no caso de estarem reunidas certas condições formais.

Ou seja: depois de ouvirem os pais, de verem que as actividades não colidem com os horários escolares ou que não põem em causa a segurança ou a saúde da criança, explica a jurista do Instituto de Apoio à Criança, Ana Perdigão. 

Para este programa nenhuma autorização chegou a ser pedida. Se o tivesse sido, diz Ana Perdigão, os técnicos “olhariam também pelo aspecto substancial”, avaliando o impacto no bem-estar e integridade psicológica da criança, em cada caso, num acto isolado e não no âmbito de promoção e protecção. 

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