Partidos de acordo no combate ao branqueamento de capitais mas avisam que faltam meios e vontade política
Governo ouviu críticas sobre atrasos na transposição das directivas e referências ao processo de Isabel dos Santos. PS recusou propostas do PCP e PEV para proibir acesso de empresas com sede em paraísos fiscais aos apoios do Estado na pandemia.
Estão de acordo com a necessidade de se apertar o combate ao branqueamento de capitais, mas os partidos avisam que não basta reforçar as leis: é preciso fazer o mesmo aos meios técnicos e humanos para se ser eficaz. Especialmente num tempo em que a criminalidade económica está cada vez mais apurada e funciona essencialmente nas plataformas digitais – um bom exemplo é o peso que a moeda virtual, essencialmente a bitcoin, tem assumido no financiamento do crime e terrorismo.
Os deputados aprovaram, por isso, na generalidade, a proposta de lei do Governo - apresentada pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes - de transposição de duas directivas europeias sobre prevenção de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo – só PCP, PEV e Iniciativa Liberal (IL) se abstiveram. O diploma vai agora seguir um longo caminho na discussão na especialidade, com mais de uma vintena de audições a diversas entidades.
Porém, no âmbito também dos paraísos fiscais, ficaram pelo caminho os projectos de lei do PCP e do PEV que pretendiam proibir o acesso aos apoios estatais no âmbito da pandemia a empresas com sede em offshores, com o voto contra do PS, PSD, CDS e IL – os restantes partidos votaram a favor. Também acabou chumbado o diploma do PCP que proibia ou limitava as relações comerciais, profissionais e transacções com entidades sedeadas em paraísos fiscais com o voto contra do PS, PSD e CDS, e a abstenção da IL.
“Não se admite que não paguem impostos pelos lucros que facturam e ganham em Portugal”, levem o dinheiro para outro país e depois beneficiem do dinheiro do Estado português, argumentaram os dois partidos. Que vincaram que a Dinamarca, Polónia e Áustria assumiram decisão idêntica. O PS defendeu que tais proibições “põem em causa algumas empresas que operam legitimamente em Portugal, também pagam aqui impostos e têm a sua situação regularizada"
No debate, o secretário de Estado da Justiça Mário Belo Morgado explicou que o diploma acrescenta ao ordenamento jurídico regras sobre a criptomoeda e as bitcoin criando o conceito de activos virtuais, impõe obrigações de reporte de informação às entidades que estabelecem negócios com países considerados de “elevado risco”, agrava a moldura para as entidades com deveres profissionais acrescidos de transparência e alarga o elenco de ilícitos - como a contrafacção de moeda virtual ou burla informática.
PCP, PEV e Bloco defenderam a necessidade de acabar com os paraísos fiscais - “uns vivem em paraísos fiscais quando a generalidade é obrigada a viver em infernos fiscais”, ironizou o ecologista José Luís Ferreira -, que catapultam a fraude e a evasão fiscal, o branqueamento de capitais e ajudam a financiar o terrorismo.
Sobre as directivas, PSD, CDS e Bloco criticaram a demora da transposição - que devia ter sido feita até Janeiro - e avisaram que é absolutamente prioritário o reforço de meios técnicos e humanos para a investigação criminal e combate à criminalidade de colarinho branco. “As leis são importantes mas só serão eficazes se tivermos meios para as aplicar” - computadores e pessoas.
O CDS pediu um maior equilíbrio entre a sanção do branqueamento e os crimes que o antecedem, como o tráfico e extorsão. A IL avisou para os conflitos entre a obrigação de recolha de informação e a protecção de dados. E o PAN aproveitou para defender o fim dos “vistos gold", tal como o Bloco.
Mariana Mortágua afirmou que o Governo só legisla agora obrigado por Bruxelas e na sequência do Luanda Leaks, e defendeu maior transparência das estruturas societárias no patamar dos últimos beneficiários. Vincou que o “combate ao crime económico, fraude fiscal e branqueamento depende de leis mas também da vontade política de afrontar interesses económicos, financeiros e políticos. Não foi só Isabel dos Santos que lavou nem só o Eurobic que participou no branqueamento: toda a cleptocracia de Angola lavou dinheiro em Portugal com a complacência” do regime português, “nas barbas de todas a gente, independentemente das leis, inclusive do Banco de Portugal”.