Alimentação e o vírus da desigualdade territorial

Antes da crise, a grande maioria dos municípios do país possuía um poder médio de compra per capita abaixo da média nacional. Estas diferenças vão tornar-se mais expressivas.

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Entrega de refeições a alunos carenciados e famílias no concelho de Sintra LUSA/André Kosters

Tem sido referido em vários órgãos de comunicação social, que os impactos desta pandemia não atingirão igualmente todos os portugueses nem todos os territórios. Nada de estranhar, argumentando-se que perto de dois milhões de portugueses viviam já com menos de 500 euros mensais antes da covid-19 e que cerca de 40% dos desempregados estavam na pobreza. O que pode, em alguns casos, surpreender será a importância da alimentação nessa equação.

A alimentação absorve uma parte bastante significativa dos rendimentos das famílias com reduzido poder de compra. São, muitas vezes, famílias com menor nível educacional, mais numerosas, em situação de desemprego e também de reforma. Apresentam, em muitos casos, prevalências de insegurança alimentar elevadas e severas. Estão, por isso, mais expostas à malnutrição incluindo patologias como diabetes, doenças cardiovasculares, doenças respiratórias, obesidade e doenças oncológicas. Isto tem um impacto significativo nas economias territoriais pela diminuição da produtividade, aumento do absentismo laboral, encargos com a saúde, entre outros. Em muitos territórios, este custo pode representar cerca 5% do valor da produção interna gerada, segundo estimativas da FAO.

Acresce ainda que, a maioria dessas pessoas não tem acesso a programas de proteção social com uma componente alimentar saudável. Isto contribui para o enfraquecimento dos sistemas produtivos locais e da saúde de quem os consome. Por essa razão, a segurança alimentar e nutricional é fundamental para o crescimento económico dos territórios. O contrário, não se verifica. Um aumento de 10% no crescimento económico apenas melhora a malnutrição em cerca de 6% segundo a reputada revista The Lancet.

A atual pandemia e a crise económica vão, certamente, aumentar a pobreza e a desigualdade territorial em Portugal. Antes da crise, a grande maioria dos municípios do país possuíam um poder médio de compra per capita abaixo da média nacional. Estas diferenças vão tornar-se mais expressivas, aumentar a insegurança alimentar e nutricional e ter reflexos na competitividade económica desses territórios.

Se as desigualdades sociais em Portugal e a insegurança alimentar e nutricional a nível nacional, têm sido objeto de algumas políticas setoriais, o mesmo não se passa a nível territorial. Sendo um território um espaço geográfico socialmente disputado, qualquer política territorial que não valorize o acesso equitativo a uma alimentação saudável para os grupos mais vulneráveis estará destinada a ser ineficiente e (ou) ter um reduzido impacto. Pior do que isso. Contribuirá para a mutação do vírus da desigualdade territorial.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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