Pode o ar condicionado espalhar o novo coronavírus?

Não existe evidência científica suficiente para dizer que a aerossolização é uma via particularmente frequente de transmissão do novo coronavírus. Ainda assim, a Direcção-Geral da Saúde emitiu uma série de recomendações para sistemas de ventilação e ar condicionado.

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DGS diz que aparelhos devem ser sujeitos a limpeza e desinfecção frequente MANUEL ROBERTO / PUBLICO

Do que sabemos até agora sobre o novo coronavírus, a certeza é que a principal via de transmissão é o contacto próximo com pessoas infectadas pelo SARS-CoV-2, o vírus que causa a covid-19. Estas transmissões por contacto próximo ocorrem principalmente através de gotículas que contêm partículas virais que são libertadas pelo nariz ou boca de pessoas infectadas, quando tossem ou espirram, e que podem atingir directamente a boca, nariz e olhos de quem estiver próximo.

Segundo as autoridades de saúde, a transmissão pode ocorrer também através do contacto com superfícies e objectos contaminados: as gotículas podem depositar-se em locais que rodeiam o doente e, assim, infectar outras pessoas quando estas tocam com as mãos nestes objectos ou superfícies, entrando depois em contacto com os olhos, nariz ou boca.

Existem também evidências sugerindo “uma possível transmissão aérea em locais onde são realizados determinados procedimentos de geração de aerossóis” (pequenas partículas que permanecem suspensas no ar e que se podem dispersar por longas distâncias). A transmissão por aerossolização​ tem sido sugerida em vários estudos como uma forma de contágio em espaços confinados, e até a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) admite esta possibilidade, mas ainda se sabe pouco sobre este processo.

Sabendo isto, que cuidados devemos ter com os aparelhos de ar condicionado que, com a chegada do Verão, se tornarão mais presentes nos locais de trabalho e habitações de todo o país? É possível que estes equipamentos ajudem a propagar o novo coronavírus? Tal como explica ao PÚBLICO Ricardo Mexia, médico de saúde pública do Departamento de Epidemiologia (DEP) do Instituto Ricardo Jorge, não existem muitos casos descritos pela comunidade científica da transmissão por aerossolização.

“Nós temos mais de quatro milhões de doentes no mundo e não há grandes casos que apontem para que a transmissão tenha sido feita por essa via. A leitura é de que não é uma via muito provável de disseminação da doença”, diz o também presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, realçando, no entanto, que que é necessário distinguir entre as noções de possibilidade e probabilidade. “É possível, mas provável não é”.

Em Abril, o Centro de Prevenção e Controlo de Doenças (CDC, na sigla inglesa) dos Estados Unidos divulgou um estudo de uma equipa de cientistas da China que ligava a transmissão do vírus a um aparelho de ar condicionado. A investigação, aprovada pelo Centro Chinês de Controlo e Prevenção de Doenças, foi realizada depois de uma pessoa infectada ter jantado num restaurante da cidade chinesa de Guangzhou e ter contagiado outros nove clientes que estavam em mesas diferentes.

“Concluímos que, neste surto, a transmissão de gotículas foi motivada pela ventilação com ar condicionado. O factor chave para a infecção foi a direcção do fluxo de ar”, referem os investigadores. E, apesar de as nove pessoas terem sido infectadas, nenhum dos outros 81 clientes e funcionários presentes no restaurante naquele dia contraiu o vírus. Apesar de os dados deste estudo o sugerirem, Werner E. Bischoff, director médico do serviço de prevenção de doenças infecciosas e epidemiologia da Escola de Medicina Wake Forest, na Carolina do Norte, refere ao The Independent não há consenso científico de que a transmissão aérea da covid-19 ocorra.

“Há uma série de factores desconhecidos. Estas pessoas estiveram na fila para ir buscar comida, ou subiram escadas atrás de alguém infectado? O ar condicionado não está completamente descartado, mas é algo que precisamos de continuar a acompanhar”, refere o especialista num comentário ao estudo.

Os conselhos da DGS

Enquanto não sabemos mais sobre este processo, e para prevenir qualquer tipo de risco, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) dedicou alguns parágrafos do seu guia de “medidas gerais de prevenção e controlo da covid-19” aos sistemas de ventilação e ar condicionado.

Em espaços fechados, a autoridade da saúde diz que deve abrir as portas ou janelas para manter o ambiente limpo, seco e bem ventilado: “mantenha os locais ventilados (pelo menos, seis renovações de ar por hora), abrindo janelas e/ou portas”, aconselha a DGS.

Caso isto não seja possível e se necessitar de usar um sistema de ventilação de ar forçado, deve “assegurar o funcionamento eficaz do sistema de ventilação, assim como a sua limpeza e manutenção”. A DGS diz que o ar deve ser retirado directamente do exterior e que a função de recirculação do ar não deve ser activada. Além disso, estes aparelhos devem ser sujeitos, de forma periódica, a limpeza e desinfecção e é recomendado que desligue a função de desumidificação. “Deve reforçar a desinfecção do reservatório de água condensada e da água de arrefecimento das turbinas do ventilador”, aconselha por fim a Direcção-Geral da Saúde.

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