Afirmar o jornalismo

Apoiar os media tem sido o discurso dominante nos últimos tempos, embora o foco devesse estar mais no que é relevante para uma democracia saudável.

Vale a pena recuperar aquele que foi o tema do último congresso dos jornalistas portugueses. Passaram três anos e parece que “afirmar o jornalismo” continua a ser uma necessidade. Por várias ordens de razão. Deixo algumas, que me ocorrem de momento.

Primeiro, porque apesar de estarmos a viver um período de maior consumo de notícias – sobretudo online e por causa da pandemia – a maioria da população não parece disponível para pagar por isso. Jornalismo a custo zero não existe. Os seus principais “artesãos”, os jornalistas, também trabalham para pagar contas e garantir a subsistência das respectivas famílias. E os tempos continuam a não ser fáceis também para eles.

Segundo, precisamente por causa do referido e paralelamente, cresce a circulação e a partilha de informação maliciosa. Boatos e outro tipo de conteúdos criados para deliberadamente enganar. Não é possível erradicar a desinformação, mas é possível combatê-la. O jornalismo, pelo compromisso social que tem, é essencial.

Terceiro, porque mais do que a escala (internacional, nacional ou regional), canal (jornal, rádio, televisão ou online) ou natureza (pública ou privada, colectiva ou individual), o jornalismo procura escrutinar poderes e dar voz a quem não a tem. E mesmo que a democratização do acesso à internet tenha vindo a possibilitar mudanças nesse sentido, convém lembrar que ela ainda não chega a toda a população. Nos EUA e no Brasil já existem desertos de notícias, isto é, cidades e regiões sem qualquer órgão de comunicação social. E nas comunidades onde se esvaziou o jornalismo, a democracia empobreceu. Veremos como Portugal sairá desta pandemia, também a esse nível.

Quarto, porque quando vemos o Ministério da Saúde e a Direcção-Geral da Saúde a demorar quase dois meses para permitir o acesso dos jornalistas dos media regionais às conferências de imprensa diárias ou demais ministérios ou organismos públicos a tratarem de forma diferenciada os profissionais, dependendo do meio para o qual trabalham, não estamos a zelar por comunidades informadas.

Quando vemos directores de órgãos de comunicação social de âmbito nacional a reivindicar que não se partilhem os seus jornais e revistas por e-mail ou WhatsApp, porque fazer jornalismo tem um custo, mas vemos jornalistas a usarem trabalhos de colegas de outros meios sem os citar, é não ser coerente e não defender a própria causa. Talvez fosse bom começarem por olhar para dentro e garantirem que em nenhum das redacções isto volta a acontecer. Caso contrário, que moral para vir a público dizer ao público que o que fazem é rigoroso e sério ou que os jornalistas são os guardiões da verdade? À mulher de César não basta parecer.

Esta é, sem dúvida, uma boa altura para que todos nos questionemos sobre o valor que damos às notícias. Servem-nos para quê? O que é que esperamos do jornalismo? E de quem o pratica? Estamos ainda em plena pandemia e não sabemos como será o cenário mediático depois dela. Certo é que teremos também por cá – já há sinais disso – desertos de notícias. Cidades ou até distritos sem comunicação social, sem jornalismo. E também a este nível é preciso afirmá-lo. É possível que alguns meios desapareçam e outros fiquem (ainda) mais fragilizados. A consequência imediata será o agudizar da precariedade dos jornalistas, do jornalismo e da saúde da democracia. E pensar que em 2021 teremos eleições autárquicas. Estejamos atentos. Possamos contribuir para um jornalismo melhor. Todos e para todos.

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