Uma tempestade perfeita levou o Leicester ao título

O ano em que uma equipa das East Midlands furou o domínio de duas cidades na Premier League inglesa.

Foto
Mural com o símbolo do Leicester City e o rosto de Claudio Ranieri REUTERS/Darren Staples

Não há campeonato com maior diversidade de campeões (24) como o campeonato inglês, mas isso era dantes. O que as últimas duas décadas (sem contar com a que está suspensa) mostram é uma tendência para a concentração dos títulos em duas cidades e em quatro clubes. Manchester teve dois clubes a ganhar 12 títulos entre si (oito do United, quatro do City), Londres teve sete títulos de dois clubes (seis do Chelsea, dois do Arsenal). A única excepção a estes quatro nos últimos 20 anos chama-se Leicester City, campeão em 2016, depois de uma época em que todos os candidatos colapsaram ao mesmo tempo.

Antes do Leicester, o último campeão estreante tinha sido o Nottingham Forest em 1978, pela mão do idiossincrático e brilhante Brian Clough - com ele o Forest não voltaria a ser campeão inglês numa época de enorme domínio do Liverpool, mas seria campeão europeu duas vezes seguidas nos anos seguintes. Seria outra equipa das East Midlands (são cerca de 50km entre Leicester e Nottingham) a quebrar a rotina no topo do futebol inglês. E fê-lo com uma equipa de desconhecidos, um treinador veterano, itinerante e sem currículo, com menos dinheiro que os outros e com toda a gente a pensar que iriam descer de divisão.

Foi uma inesperada época de glória para Claudio Ranieri e a sua equipa construída à base de jogadores rejeitados pelos “grandes” (Schmeichel, Simpson, Drinkwater, Huth), recrutados na segunda divisão francesa (Mahrez e Kanté) ou que andavam perdidos pelos escalões secundários de Inglaterra (Morgan e Vardy). Funcionou e o Leicester devolveu algum romantismo a um futebol inglês muito celebrado pelos milhões que movimenta - mas que a pandemia da covid-19 deixou a descoberto muitas carências que antes estavam ocultas pela prosperidade.

Essa equipa de Ranieri tinha um prazo de validade muito limitado, como o tempo viria a provar. Os melhores foram saindo por dinheiro (Kanté, Mahrez, Drinkwater) e o próprio Ranieri acabaria por sair 298 dias depois. Mas o Leicester também foi vítima da rotina que se reinstalou na Premier League - depois de ser campeão, dois títulos do Manchester City e um do Chelsea, com os “foxes” a classificarem-se duas vezes em nono e uma em 12.º.

Quando a Premier League regressar para se cumprir o que falta da época, será uma questão de dias até o Liverpool ser campeão, o que será uma novidade nas últimas três décadas. Os “reds” já não são campeões desde 1990 e, depois de muito tentarem, será com Jurgen Klopp que voltam à conquista da Premier League - até agora com uma época quase perfeita, 27 vitórias, um empate e uma derrota - mas não será propriamente o triunfo de um “underdog” como foi o do Leicester. É o seu próprio historial que diz, 18 títulos de campeão, apenas atrás dos 20 do Manchester United. Mas ouvir “You’ll Never Walk Alone” em Anfield a celebrar um campeão também será um bom momento para os românticos do futebol.

Sugerir correcção