Educação: o regresso em força da desconfiança?

Fará sentido com todas estas medidas excepcionais que se volte a equacionar neste final do ano lectivo que um aluno possa ficar retido por excesso de faltas?

Meados de Março de 2020. Pelo país (pelo mundo) fora todos os jovens em idade escolar vêem as suas vidas interrompidas: aprendizagens, relações e projectos são colocados em modo “pausa”, à espera de um outro tempo. Num país marcado por assimetrias várias, as comunidades educativas mobilizam-se e respondem ao apelo o melhor que sabem e podem, em muitos casos melhor do que julgavam saber e poder. Pela primeira vez desde que há memória nestas últimas décadas da nossa democracia, a divisão das várias forças políticas, partidárias, sindicais e corporativas dá lugar a um imenso consenso que perpassa e parece unir toda a sociedade portuguesa. Instala-se um espírito comunitário que nos conforta e convida à resiliência e à esperança.

A população e o poder político renovam a sua fé no Sistema Nacional de Saúde e, na Educação, as Escolas e os Professores respondem à chamada, de mãos dadas, @ distância, com as Famílias. O discurso político é marcado pelo elogio à população, aos profissionais de saúde, a todos os que garantem a manutenção dos serviços essenciais, às escolas e aos professores. Pela primeira vez desde o início do seu primeiro mandato, o ministro da Educação granjeia alguma simpatia e instala-se a convicção da pertinência e da sensatez das medidas aprovadas e implementadas. Nas suas intervenções públicas, difundidas na comunicação social, multiplicam-se os elogios às escolas e sublinha-se a importância das medidas adoptadas, no âmbito da sua autonomia e dos meios e recursos disponíveis.

Maio de 2020. No regresso gradual a uma realidade que não é exactamente a que conhecíamos, nem tão-pouco aquela que desejamos, após o enorme esforço colectivo, a mobilização de todos os intervenientes, o consenso alargado que se gerou em torno das medidas excepcionais adoptadas pelo Governo, dificilmente se compreende agora que, nas mais altas esferas do sistema educativo, a principal preocupação seja (pareça ser) a de lembrar o Estatuto do Aluno, seus direitos e deveres, nomeadamente o dever de assiduidade e as consequências do seu incumprimento, seja no sistema de actividades presenciais ou, mais caricato ainda, não presenciais, uma vez que, recorde-se, a ampla maioria dos alunos permanecerá em casa... 

Decorridos dois meses sobre a interrupção das actividades lectivas, tal como as conhecíamos até então, as recentes Orientações gerais relativas aos direitos e deveres dos alunos e ao seu acompanhamento, no âmbito das atividades letivas presenciais e não presenciais, documento enviado às direcções escolares na semana que precede o regresso às escolas dos alunos do 11.º e do 12.º ano, mais do que anunciam e introduzem a subsequente alteração legislativa “à medida”, o recente aditamento ao Decreto-Lei n.º 14- G/2020, de 13 de Abril; mergulhados numa estéril discussão em torno de quais são efectivamente as “disciplinas que têm oferta de exame final nacional”, assistimos a uma inversão do discurso político, (de novo) marcado por um tom prescritivo, autoritário e, porque não dizê-lo, de desconfiança face às famílias, aos alunos, às escolas…

Em declarações públicas veiculadas pela comunicação social, com a impunidade de quem detém um poder recentemente “referendado” pela solidariedade e pelo espírito construtivo instalado, responsáveis da pasta da Educação proferem afirmações, no mínimo, bizarras: a secretária de Estado da Administração Educativa afirma não haver qualquer problema com a colocação de professores em substituição [não haverá quaisquer problemas, de facto, a não ser o pequeno pormenor de não haver, em determinadas regiões do país, e em determinados grupos de recrutamento, quaisquer professores profissionalizados a aguardar colocação…]; o secretário de Estado da Educação, por seu lado, ao mesmo tempo que defende ser importante combater o “Medo” do regresso a alguma normalidade, paradoxalmente não hesita em amedrontar alunos e pais, ao declarar, em entrevista, que a decisão dos pais de não permitir a frequência de actividades presenciais, muito embora sustentada na lei de carácter excepcional e temporário, pode prejudicar os alunos, retirando assim, de uma assentada, o livre arbítrio às famílias e a autonomia às escolas, empenhadas nas respostas mais adequadas às suas populações escolares, docentes e discentes incluídos.

Enquanto os alunos do 1.º ano do primeiro ciclo ao 10.º ano do ensino secundário permanecerão em casa, com o acompanhamento a distância garantido pelas respectivas escolas, bem como pela Direcção-Geral de Educação e RTP [#estudoemcasa], os alunos do 11.º ano e do 12.º ano são agora compelidos a frequentar presencialmente quatro e duas disciplinas, respectivamente, ou nenhuma, numa política autoritária de “tudo ou nada”, de desígnios difusos, com objectivos pouco lógicos e inconsistentes, e relativamente aos quais não se vislumbram vantagens do ponto de vista pedagógico e educativo. 

Depois de terem assistido, perplexos e angustiados, a uma abrupta interrupção das suas vidas, com impacto ao nível do seu equilíbrio físico e psicológico, não era este, seguramente, o discurso que os nossos jovens, balão de ensaio desta importante fase de desconfinamento, aguardavam e fizeram por merecer.

Sugerir correcção