A segunda vida dos museus

Com limites mais apertados na lotação das salas, haverá menos receitas na bilheteira, pressionando as instituições. A entrada nos principais museus será um privilégio? Ou irá a generalização das visitas virtuais renovar o interesse em obras menos conhecidas?

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Daniel Rocha

É inédito ver tantos museus encerrados durante tanto tempo. Para encontrar um desafio comparável, é preciso recuar aos tempos de guerra. Como em Londres, na Segunda Guerra Mundial, com as pinturas da National Gallery guardadas debaixo do solo, ficando a salvo da destruição Nazi. 

Neste tempo de encerramento, os desafios são diferentes da protecção das obras. Há um trabalho a fazer, para que as colecções continuem a chegar ao público as visitas virtuais só cumprem o seu papel se forem procuradas. É nesse sentido que vários museus desenvolveram actividades à distância, por vezes entretendo as crianças que ficam em casa. 

Algumas actividades ganharam expressão global: a recriação de obras conhecidas em casa foi popular nas redes sociais e rapidamente surgiram as versões mais originais da Rapariga com o Brinco de Pérola, de Vermeer. No essencial, actividades desta natureza reaproximam o público das obras.

Este esforço não ficou alheio às instituições de que os museus fazem parte, como é o caso da Fundação Calouste Gulbenkian, cuja orquestra lançou vídeos dos músicos a tocar partir das suas casas, de forma sincronizada. 

O sucesso destas iniciativas deve-se às equipas dos museus, que as desenvolveram em condições de trabalho inéditas, enquanto cancelavam outras actividades que já estavam na agenda. E tudo teria sido impossível sem o interesse e a participação do público — tão essencial para que as instituições se mantenham. Entretanto, da imposição da distância nascem novos formatos: é fácil imaginar novas conversas e visitas guiadas em directo, da mesma maneira que Nuno Markl e Bruno Nogueira percorreram as ruas da cidade num automóvel, no directo de Instagram mais popular de sempre em Portugal.

As actividades à distância também mostram como o espaço museológico é cada vez mais plural. Essa tendência já era notória no alargamento do voluntariado ou nas sessões de ioga no museu, impensáveis há vários anos. Ou mesmo na adaptação dos museus aos millennials. Não são só as partilhas em redes sociais que atraem as novas gerações; é também a capacidade de relacionar as colecções com o dia-a-dia ou aqueles detalhes que fazem a diferença, como os carregadores USB instalados nos bancos das salas. 

Mas a democratização dos museus pode ficar em suspenso. Com limites mais apertados na lotação das salas, haverá menos receitas na bilheteira, pressionando as instituições. A entrada nos principais museus será um privilégio, acessível a poucos? Ou irá a generalização das visitas virtuais renovar o interesse em obras menos conhecidas, fazendo-as chegar a novos públicos? 

Neste Dia Mundial dos Museus, muitos espaços reabrem pela primeira vez. Há medidas de segurança, máscaras, operações de limpeza e tudo parece ser diferente. É como um recomeço, uma segunda vida, para tantos museus em todo o mundo.

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