Começa uma nova fase para todos, menos para os advogados

Neste momento decisivo da vida de Portugal, era bom que todos soubessem que há uma profissão sem direitos: exactamente aquela que defende os vossos.

Hoje, com a reabertura dos restaurantes, de lojas até 400 metros quadrados, dos museus e da escola para alguns miúdos, começa a segunda fase de desconfinamento que, todos queremos, terminará 15 dias depois.

Telefonei, ao longo do fim-de-semana, a uma série de amigos que vão reabrir actividade e/ou voltar a trabalhar fora de casa nos próximos dias, dando-lhes uma mensagem de esperança e conforto, de quem se dedica ao mundo laboral. Uns são empresários, outros trabalhadores, mas todos gente honrada, que encarou este período com grande seriedade e espírito de missão.

Os empresários, com quem tenho passado horas e horas a trabalhar na aplicação de medidas preventivas e empresariais de manutenção da actividade, têm sido inexcedíveis na ginástica que precisou e precisa de ser feita. Por outro lado, os trabalhadores, a quem dedico grande parte da minha actividade profissional, prestaram-se a dias e dias de reclusão, dúvidas e incertezas. Alguns perderam, por razões objectivas, os seus postos de trabalho, outros foram apanhados pelas vigarices do costume. Cá estaremos, nesses casos, para pôr as coisas no seu lugar. Felizmente, quase todos voltarão aos seus trabalhos, onde estarão prontos para, em conjunto com os colegas e os empresários que os empregam, darem início a uma nova fase da luta contra esta pandemia.

Estamos a meio de um processo em que ninguém consegue fazer grandes previsões.

Mas há uma coisa que vos tenho de dizer: pertenço a uma classe profissional (advocacia) que passou os últimos três meses a ajudar tudo e todos e que não recebeu ajuda de ninguém – a não ser de advogados solidários e não-organizados.

Passei, após três intervenções iniciais, os últimos tempos à espera de respostas e soluções. Não vi nenhuma. É certo que é difícil saber o que fazer quando a economia não responde e os escritórios perdem fontes de financiamento. É difícil responder à perda de avenças ou a clientes que precisam de serviços e que não têm como pagar.

Mas também não é a essa questão específica que se exigem respostas – é a duas bem mais sérias: o que acontece aos advogados quando adoecem? O que acontece aos advogados quando têm de deixar de trabalhar?

Meus caros, a resposta é linear: advogado que adoeça ou fique sem trabalhar, porque tenha de ficar em confinamento ou isolamento social, por via de opção legislativa, fica, ficou e ficará sem qualquer rendimento. Será, perante o silêncio de quem o representa, atirado para o incumprimento, sem nenhum fundo de auxílio. Isto é trágico!

Esta situação é intolerável e, perdoem-me, obscena: uma Ordem dos Advogados e Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores que gerem avultado património imobiliário e financeiro, bem como um orçamento anual de centenas de milhões de euros, não podem não responder às solicitações dos advogados, sobretudo aos que, entre estes, ficaram em pior situação financeira e familiar – ou, pior, em situação dramática e de ruptura familiar.

Neste momento decisivo da vida de Portugal, era bom que todos soubessem que há uma profissão sem direitos: exactamente aquela que defende os vossos.

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