La rentrée: o regresso às aulas

O ano lectivo está perdido e poucos alunos estarão em Setembro de 2020 em condições fundamentalmente diferentes daquelas em que se encontravam em Setembro de 2019.

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Regresso às aulas numa escola do Seixal, nesta segunda-feira LUSA/MANUEL DE ALMEIDA

Nos últimos dias têm-se multiplicado as tomadas de posição de professores do ensino secundário contra o “regresso às aulas” e a realização dos exames, a maioria com base nos riscos sanitários que comportam. Infelizmente, suspeito que todos os argumentos contra a reabertura das escolas baseados exclusivamente na questão sanitária terão em Setembro a mesmíssima força que agora têm. Pode ser que tenhamos sorte e, contra toda a evidência disponível, surja entretanto o tratamento milagroso ou a vacina eficaz e segura. Mas não podemos planear o futuro em função de remotas probabilidades. Haverá um momento em que, no limite, teremos que aceitar os riscos de seguir em frente ou tomar o caminho do regresso às cavernas, se me permitem a hipérbole.

A minha oposição às medidas que o Governo tem tomado em matéria de educação têm outro fundamento: o facto de nada terem de pedagógico e tudo de pura e simples política, visando encobrir um facto simples: o ano lectivo está perdido e poucos alunos estarão em Setembro de 2020 em condições fundamentalmente diferentes daquelas em que se encontravam em Setembro de 2019. Assegurar a aquisição, consolidação e desenvolvimento das aprendizagens previstas pelos curricula nunca foi o objectivo das medidas do Ministério da Educação, mas unicamente criar a ilusão de que o ano lectivo não está irremediavelmente perdido e que as passagens não são meramente administrativas.

Tal facto é sobretudo evidente quando se decide reabrir as escolas, mas apenas para leccionar presencialmente, em condições mais do que precárias, as disciplinas que são ou podem ser objecto de exame para efeitos de ingresso no ensino superior, como se as restantes disciplinas não tivessem um papel igualmente decisivo na formação dos alunos. O que importa, para o Governo, é assegurar a todo o custo que novas fornadas de alunos são encaminhadas para as instituições do ensino superior, custe o que custar e para agrado generalizado.

Mas, se é assim, por que não aproveitar a ocasião para fazer o que há muito se impõe: entregar ao ensino superior a tarefa de seleccionar os candidatos em condições de frequentar cada um dos cursos, avaliando-os relativamente a pré-requisitos definidos pelo próprio ensino superior?

Esta medida permitiria acabar com o psicodrama dos exames no ensino secundário, os quais, agora sem a função de seriar os alunos, poderiam continuar a fazer-se, mas para aferição do subsistema do ensino secundário. Uma função indispensável, com a vantagem de não fazer recair sobre os alunos as consequências das fragilidades do sistema educativo.

Mas, correr riscos sanitários para prestar um serviço ao ensino superior e obter ganhos políticos é que me parece intolerável. Resta a questão de como pensa o Governo compensar tudo quanto se perdeu no corrente ano lectivo, se se lhe pode chamar isso, em termos das aprendizagens e da formação integral dos alunos.

P.S. Confesso que também não me agrada a ideia de que este “regresso” é uma espécie de ensaio geral para o género de funcionamento que pode ser necessário adoptar em Setembro para a totalidade da escolaridade, como o primeiro-ministro deu a entender. Se é uma experiência (com riscos associados), os intervenientes deveriam pronunciar-se sobre a sua disponibilidade para participar na mesma.

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