Há uma plataforma online que prepara voluntários para ajudar em lares

Num mês, perto de 30 pessoas foram encaminhadas para ajudar instituições de solidariedade social em Matosinhos através de um sistema de triagem e formação online.

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Numa fase inicial, o trabalho nas instituições é feito com acompanhamento Paulo Pimenta

Em Abril, Manuel Góis, 49 anos, que ficou impedido de ir trabalhar na sua escola devido à covid-19, decidiu usar as horas vagas para aprender a ajudar os outros e prestar apoio voluntário na Aladi, um lar residencial dedicado a apoiar cidadãos portadores de deficiência intelectual, em Matosinhos.

O auxiliar de educação da Escola Básica Fernando Pinto Oliveira foi uma das 98 pessoas a inscreverem-se numa bolsa de solidariedade criada pela Câmara Municipal de Matosinhos para reforçar a capacidade de respostas das instituições privadas de solidariedade social (IPSS) do concelho a procurar mais recursos humanos devido à pandemia. 

A análise dos perfis dos voluntários e formação acelerada é assegurada pelo Instituto Padre António Vieira (IPAV), uma associação cívica em Lisboa que desenvolveu uma plataforma online para seleccionar e preparar os voluntários para as novas tarefas. Trata-se de um dos 19 projectos eleitos pela Gulbenkian Soluções Digitais Covid-19, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian com o apoio da EDP, que junta 200 mil euros para soluções digitais que promovem a mitigação dos efeitos do novo coronavírus em Portugal — o projecto da IPAV, em particular, recebeu um financiamento de 12 mil euros.

“Já foram integrados 29 voluntários em seis instituições diferentes”, detalha ao PÚBLICO Isabel Sérgio, gestora de projectos da IPAV e uma das responsáveis pelo processo de selecção. Embora as entrevistas sejam feitas por telefone ou videoconferência, a informação — sobre a disponibilidade, experiência, idade e perfil — é inserida na nova plataforma da IPAV, que a combina, automaticamente, com os requisitos das instituições. Candidatos com mais de 60 anos também são automaticamente excluídos por já se inserirem num dos grupos de risco.

No final, há uma formação online, que inclui dois testes, e é feita uma nova entrevista para avaliar se os candidatos estão preparados a começar o trabalho. Pelo meio, todos têm de responder ao avaliador de sintomas da covid-19 no site da Direcção-Geral de Saúde, com alguns voluntários a realizar o exame, financiado pela Câmara de Matosinhos, a pedido das instituições que vão integrar.

Manuel Góis diz ao PÚBLICO que demorou cerca de dois dias a completar a formação online do IPAV, que inclui videoconferências com assistentes sociais e módulos sobre a alimentação, ética do cuidado e cuidados de higiene básicos. Numa fase inicial, o trabalho na instituição foi feito com o acompanhamento de colegas da Aladi.

“O projecto deu-me uma forma de me sentir útil numa altura em que parecia que o mundo estava parado”, reconhece Manuel Góis, que entretanto foi chamado para regressar ao trabalho na escola após um período obrigatório de quarentena. “Saí da Aladi com uma lágrima do olho. Aprendi muito com os ‘miúdos’, já adultos, que lá estão”, partilha. “Penso que os módulos com informação sobre o autismo, por exemplo, virão a ser relevantes para ajudar crianças que precisem na escola.”

Alguns dos voluntários candidatos à bolsa de voluntariado da Câmara de Matosinhos já foram contratados a tempo inteiro pelas instituições. É o caso de Henrique Branco, 33 anos, que foi um dos primeiros a apresentar-se ao serviço numa altura em que a plataforma de formação à distância ainda não estava concluída e apenas eram encaminhados profissionais com experiência.

Henrique Branco, que trabalhou anos como técnico de saúde em bloco operatório e cuidados intensivos, deixou o sector devido “à falta de reconhecimento e cansaço acumulado”, mas decidiu voltar quando se viu sem o emprego no armazém de construção civil onde tinha começado a trabalhar recentemente. “Não queria ficar parado e sabia que tinha capacidade e formação para ajudar. Quando a proposta de emprego chegou, mais tarde, só fazia sentido aceitá-la”, partilha Henrique Branco. “Ainda assim, o trabalho é muito diferente. No hospital, nos cuidados intensivos e no bloco operatório, lidava com doentes diferentes todos os dias. Num lar, o tratamento é muito rotineiro e, por isso, vamos conhecendo as pessoas e há uma maior ligação.”

Mesmo quem não se possa inscrever na bolsa de Matosinhos, pode assistir aos módulos online disponíveis na plataforma da IPAV. “O nosso objectivo é ser um apoio para pessoas interessadas ou cuidadores informais à procura de mais informação, mesmo após a crise de saúde actual”, resume Isabel Sérgio. “É uma forma de qualquer pessoa interessada e disponível ajudar e aprender a melhor forma de o fazer.”

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