Acendam-se as velas para os 60 anos do laser

Estamos de tal modo habituados a esta subtil presença que não estranhamos um laser mais do que uma lâmpada. E só já acendemos velas em ocasiões especiais.

Há uma famosa citação atribuída a Thomas Edison, inventor da lâmpada eléctrica, em resposta a um jornalista que terá feito um comentário menos feliz sobre o número de tentativas falhadas até se encontrar uma lâmpada funcional. “Falhar? Eu não falhei, apenas descobri mil formas que não funcionam.” A citação é provavelmente apócrifa, mas não deixa de ser inspiradora e reveladora de um dos principais aspectos do funcionamento da ciência: é através da persistência e da procura incansável que, por vezes, se conseguem desenvolver tecnologias cujo impacto beneficia toda a humanidade. Edison trabalhou à luz de velas e candeeiros a petróleo na busca de algo nunca criado antes. Encontramos hoje essa mesma tenacidade nos vários grupos de investigadores que trabalham activamente para encontrar uma vacina para a covid-19, certamente tropeçando em muitas formas erradas até dar com a correcta.

Hoje, 16 de Maio, celebra-se em todo o mundo o Dia Internacional da Luz, uma iniciativa global instituída pela UNESCO desde 2018 com o objectivo de celebrar o papel da luz na ciência, na cultura, na arte, na educação e no desenvolvimento sustentável. A data não foi escolhida ao acaso: 16 de Maio marca o dia em que, há precisamente 60 anos, o físico americano Theodore Maiman conseguiu pela primeira vez demonstrar a operação de um laser. Por uma feliz coincidência, em Portugal celebramos também o Dia Nacional dos Cientistas, em homenagem a Mariano Gago, nascido nesta data em 1948, e o “inventor” do sistema científico nacional e que intuiu que é desenvolvendo a capacidade para fazer descobertas e invenções fundamentais que criamos as condições para responder aos maiores desafios da nossa sociedade, como agora é demonstrado pela comunidade científica nacional.

A melhor forma de atestar o impacto de uma invenção é, provavelmente, ser tão omnipresente que não damos por ela. Quando foi a última vez que parou por uns segundos para reflectir no milagre que é acender-se uma lâmpada ao premir um interruptor, ou aceder a uma página Web do outro lado do planeta através de um computador? E, no entanto, por detrás destes pequenos milagres do quotidiano está o esforço de equipas de cientistas que desbravaram territórios desconhecidos, muitas vezes sem terem a percepção do alcance que viriam a ter os frutos da sua investigação.

O caso do laser é paradigmático. A sua história começa há mais de um século com Albert Einstein e um artigo científico, onde este demonstra que as transições atómicas podem ser descritas por leis estatísticas simples. Com esta descoberta de cariz fundamental, introduziu o conceito novo de “emissão estimulada”, um mecanismo que foi mais tarde reconhecido como uma forma de amplificar luz. E só depois de muitos avanços, recuos e desistências de outros é que, em 1960, Maiman conseguiu a almejada demonstração experimental. À sua invenção deu o nome “laser”, acrónimo de light amplification by stimulated emission of radiation. Podemos descrever a luz de um laser como “bem-comportada” ou, como diria um especialista, “coerente”. Esta propriedade permite focar um feixe laser num ponto minúsculo, concentrando uma energia suficiente para cortar metais, ou então gerar raios luminosos de cor pura. Ou, ainda, criar impulsos de luz com uma duração inimaginavelmente curta, que usamos como flashes para fazer fotografias à escala do átomo.

No entanto, este potencial não foi imediatamente reconhecido. Noutra citação (esta verídica), houve quem ridicularizasse o laser chamando-lhe “uma solução à procura de um problema”. Mas, como sabemos, aquele fino feixe de luz brilhante veio a revelar-se revolucionário pelas perspectivas que abriu, na ciência e fora dela. Na medicina, o laser é um aliado indispensável em cirurgia, oftalmologia, dermatologia e outras especialidades. Na indústria é usado para corte e soldadura de precisão. Nas telecomunicações, em conjunto com as fibras ópticas, os impulsos laser formam a espinha dorsal da Internet planetária, graças à qual podemos trabalhar online ou falar em tempo real com qualquer pessoa (e atenuar a solidão do confinamento). Na ciência procura-se hoje desbravar novos territórios desconhecidos, recorrendo a impulsos laser cada vez mais curtos e mais potentes. Estamos de tal modo habituados a esta subtil presença que não estranhamos um laser mais do que uma lâmpada. E só já acendemos velas em ocasiões especiais.

Graças à ciência e aos cientistas, os grandes desafios de ontem são hoje memórias quase esquecidas. Assim sejam também, no futuro, os desafios do presente.

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