O trabalho invisível da Saúde Pública

Temos assistido à divulgação das estimativas de necessidades de recursos humanos em outros países, mas continuamos a aguardar uma estratégia nacional.

Uma semana após as primeiras medidas de alívio das restrições em Portugal, muito se tem discutido sobre quais as linhas vermelhas a que devemos estar atentos e que podem levar à necessidade de “voltarmos atrás”. São necessárias pelo menos duas semanas para se avaliar o impacto do desconfinamento, o tempo mínimo necessário à exposição à infeção, início de sintomas, diagnóstico pelos serviços de saúde, realização de teste e notificação da doença no sistema de vigilância.

Neste período, é essencial relembrarmos uma das medidas mais importantes no controlo das doenças transmissíveis – o rastreio de contactos (contact tracing). Sempre que é identificado um novo caso de covid-19, é realizada uma entrevista detalhada, são identificadas as pessoas que estiveram em contacto com o caso e avaliado o risco. Estas pessoas são posteriormente contactadas, sendo informadas da sua exposição, das medidas de controlo da infeção que devem implementar e dos sintomas a que devem estar atentas. No caso de terem tido uma exposição de alto risco, são informadas da necessidade de quarentena nos 14 dias seguintes ao último dia de exposição e contactadas diariamente para vigilância ativa de sintomas. É assim possibilitada a rápida identificação de casos secundários e interrompida a cadeia de transmissão da doença. A evidência demonstra que os casos podem transmitir a doença nas 48 horas anteriores ao início de sintomas, durante a fase em que parece estar “tudo bem”.

Este trabalho, menos falado da resposta à pandemia, muitas vezes “invisível”, não é novo para os profissionais das Unidades de Saúde Pública. Tem vindo a ser desenvolvido desde a confirmação do primeiro caso de covid-19 em Portugal, de forma muito intensa e incansável, com os recursos existentes, frequentemente insuficientes. Em alguns locais, estas equipas foram reforçadas por outros profissionais de saúde, que muito contribuíram para a manutenção da capacidade de resposta, mas que poderão não estar disponíveis novamente por força da retoma da atividade assistencial que foi temporariamente interrompida pela pandemia.

Já nesta coluna, parceria entre o jornal PÚBLICO e a Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública (ANMSP), se destacou a importância do planeamento em saúde em época de pandemia, que se reveste de uma especial complexidade. Nesta fase em que se discute a reorganização dos serviços de saúde, a Organização Mundial da Saúde e o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) têm lançado documentos técnicos com revisões científicas e recomendações sobre o tema do rastreio de contactos. A evidência disponível demonstra que esta medida de Saúde Pública é efetiva no controlo da doença, sendo indicado que deverá ter um papel essencial na redução da sua transmissão numa época em que as medidas de distanciamento físico vão, de forma faseada, diminuir.

Como seria expectável, o número de contactos dos casos de covid​-19 durante a fase de confinamento diminuiu (de acordo com o ECDC, de uma média de sete a 20 contatos, em média, para dois a três, salvo excepções em que se identificam grandes grupos, como em contextos laborais). Nesta fase de transição, espera-se que o número médio de contatos por caso volte a aumentar, sendo fundamental identificar as necessidades de recursos humanos que permitam continuar a realizar este trabalho. Temos assistido à divulgação das estimativas de necessidades de recursos humanos em outros países, mas continuamos a aguardar uma estratégia nacional.

As medidas de prevenção devem ser mantidas

Entretanto, importa relembrar o papel que todos temos na diminuição do risco de “uma segunda onda”, medidas que terão que permanecer até haver uma vacina disponível. É essencial manter as medidas de proteção individual, como a lavagem ou desinfecção frequente das mãos, a etiqueta respiratória e o distanciamento físico sempre que possível. Há que utilizar máscaras de forma correta e manuseá-las adequadamente – o site do movimento #MáscaraParaTodos disponibiliza informação útil. É muito importante que os locais de trabalho assegurem as medidas de prevenção, que se encontram sistematizadas no documento disponibilizado pelo Programa Nacional de Saúde Ocupacional da Direção-Geral da Saúde. E todos devemos continuar a evitar locais de maior acumulação de pessoas, principalmente em espaços fechados.

Só um esforço conjunto vai assegurar que o número de novos casos gerado por cada um dos doentes com covid-19 se mantém inferior a um, como todos ambicionamos.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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