Servir a dois senhores?

Políticos que aceitam subordinar-se aos mais perversos interesses económicos abastardam a nossa democracia.

Os políticos portugueses mais influentes, “os senadores”, detentores do enorme poder que lhes confere uma longa carreira na política – que deveriam capitalizar a sua experiência ao serviço do País – colocam-se, por regra, ao serviço dos maiores grupos económicos. Usam a sua posição de influência para obter contratos e benesses do Estado a favor dos poderosos empresários a cujos interesses estão vinculados. Os empresários premeiam-nos com tenças milionárias. Como resultado destas cumplicidades, o tráfico de influências é omnipresente na vida política e mediática.

Por norma, os maiores grupos empresariais contratam os políticos mais influentes. Os exemplos são inúmeros. Os órgãos de administração da EDP integram desde os socialistas Luís Amado, Augusto Mateus e Seixas da Costa aos social-democratas Eduardo Catroga ou Braga de Macedo, passando pela centrista Celeste Cardona. Na Galp, têm assento no Conselho de Administração Adolfo Mesquita Nunes (dirigente do CDS) ou Luís Todo-Bom (ministro sombra do PSD), entre outros. Se percorrermos os órgãos sociais do grupo Mota Engil, encontramos, na sua composição, os socialistas Jorge Coelho e Seixas da Costa, o ex-ministro do PSD Valente de Oliveira, os centristas Paulo Portas e Lobo Xavier. Este último integra também os órgãos sociais da NOS, conjuntamente com Paulo Mota Pinto, a figura cimeira do PSD, enquanto presidente do Congresso. Mas Lobo Xavier não fica por aqui, é ainda vice-presidente do BPI e, como tal, representa em Portugal os interesses dos espanhóis do CaixaBank. Na administração da ANA Aeroportos tem assento o ex-ministro social-democrata José Luís Arnaut ou o todo-poderoso Luís Patrão, gestor das finanças do Partido Socialista. Estes representam em Portugal os interesses dum grupo estrangeiro, a Vinci, esta também acionista da concessionária da Ponte Vasco da Gama, a Lusoponte, por sua vez presidida por um ex-ministro do PSD, Joaquim Ferreira do Amaral – curiosamente o que, enquanto ministro, mandou construir a ponte. Os exemplos são infindáveis.

Com este tipo de composição, as reuniões dos conselhos de administração das maiores empresas mais parecem cimeiras partidárias. Na sua dupla função de agentes políticos e gestores de empresas, estes actores incorporam em si mesmos um permanente conflito de interesses entre as funções públicas – que exercem, exerceram ou virão a exercer – e a fidelidade que devem a quem lhes garante salários milionários. Haverá situações em que certamente o interesse público é pura e simplesmente ignorado, porque ninguém consegue servir (bem) a dois senhores. Quando Seixas da Costa, nomeado pelo Governo para o Conselho Geral da pública RTP, transporta consigo os interesses do grupo Jerónimo Martins/Unilever, que é o maior anunciante em Portugal, um dos maiores clientes da RTP, em caso de diferendo, que interesses defenderá Seixas da Costa? Quando, em nome do Grupo Vinci/ANA, Luís Patrão reúne com algum ministro ou autarca socialista, está numa posição de superioridade de facto, pois provavelmente terá sido Patrão o financiador da campanha eleitoral do seu interlocutor. Quando Lobo Xavier, enquanto conselheiro de Estado, influencia o Presidente, fá-lo incorporando os interesses estrangeiros dos espanhóis do CaixaBank.

Estes agentes do tráfico de influências defendem os seus patrões também no espaço mediático, sem sequer declararem os interesses que os movem. Quando Paulo Portas comenta política internacional na TVI nunca podemos adivinhar se diz o que pensa ou o que interessa ao Grupo Mota Engil, onde tem responsabilidades… na área internacional. Quando Marques Mendes, na SIC, elogia a Caixa Geral de Depósitos, os telespectadores ignoram que este comentador integra os órgãos de gestão da… mesma Caixa. E, quando assistem ao programa “Circulatura do Quadrado”, na TVI, e veem Lobo Xavier e Jorge Coelho, os telespectadores não sabem que, horas antes, os dois comentadores terão partilhado a sala de reuniões da administração da Mota-Engil.

Políticos que aceitam subordinar-se aos mais perversos interesses económicos abastardam a nossa democracia. Ao serviço de grupos económicos portugueses, manipulam os organismos de Estado e transfiguram a nossa democracia num regime feudal, cujos suseranos são os seus patrões. E, ainda pior, quando ao serviço de grupos estrangeiros, são cúmplices na colonização de alguns sectores, representando o triste papel histórico, outrora assumido pelo Conde Andeiro – o de traidores.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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