“Não vou esperar f... alguém da minha família.” Vídeo mostra pressões de Bolsonaro sobre Moro

A gravação em vídeo de uma reunião do Governo brasileiro revela o Presidente a ameaçar o ex-ministro da Justiça Sergio Moro se este não afastasse comandante da Polícia Federal do Rio.

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Moro diz que foi pressionado durante meses por Bolsonaro para substituir comando da PF Reuters/Adriano Machado

Aos poucos, o inquérito movido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) vai pintando um quadro cada vez mais desastroso para o Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, sobre quem recaem suspeitas de tentar interferir na Polícia Federal (PF). Uma gravação de uma reunião entre ministros, em Abril, mostra Bolsonaro a levantar preocupações com investigações policiais em curso no Rio de Janeiro que visam familiares e a ameaçar demitir responsáveis da polícia e o próprio ministro da Justiça da altura, Sergio Moro.

O vídeo da reunião de 22 de Abril foi exibido na terça-feira a um grupo restrito de responsáveis pelas investigações e é considerado uma peça crucial para averiguar qual o nível de interferência de Bolsonaro na PF.

De acordo com várias fontes que viram a gravação, citadas pela imprensa brasileira, Bolsonaro estava particularmente mal-humorado na reunião daquele dia. Em causa estava o receio de que a família do Presidente estivesse a ser perseguida pela polícia do Rio de Janeiro e, por isso, Bolsonaro exigiu a Moro que substituísse o superintendente da PF carioca.

Se não o fizesse, disse Bolsonaro, trocaria então o director-geral, que na altura era Maurício Valeixo, um aliado do ministro da Justiça. Por fim, o Presidente ameaçou mesmo demitir Moro. Todas estas alterações viriam a concretizar-se poucos dias depois.

“Não vou esperar foder alguém da minha família. Troco todo mundo da segurança. Troco o chefe, troco o ministro”, disse Bolsonaro na reunião, de acordo com as fontes ouvidas pela Globo. Pessoas que estiveram na exibição do vídeo dizem que o seu conteúdo é “devastador” para a defesa do Presidente.

Na terça-feira, alguns ministros do Governo também foram ouvidos no âmbito da investigação. Tanto o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, como o ministro da Secretaria do Governo, Luiz Eduardo Ramos, ambos militares, disseram que na reunião Bolsonaro manifestou descontentamento com a forma como as informações da área da inteligência lhe estavam a ser passadas, mas não interpretaram as palavras do Presidente como pressão para que Moro trocasse os responsáveis da PF. Ainda esta semana será ouvida a deputada Carla Zambelli, que trocou mensagens com Moro em que havia referências às alegadas pressões de Bolsonaro.

Vídeo pode ser divulgado

A divulgação pública do vídeo é a próxima batalha judicial. O juiz do STF Celso de Mello, que chefia a investigação, pediu ao procurador-geral da República, Augusto Aras, para que levante o sigilo da gravação e deu na terça-feira à noite um prazo de 48 horas para o fazer. A defesa de Moro também requereu a sua divulgação na íntegra.

Bolsonaro disse estar disponível para revelar “qualquer parte do vídeo que seja pertinente ao inquérito”. Em declarações aos jornalistas ao fim do dia, o Presidente negou as versões que circularam sobre as suas declarações na reunião ministerial. “Não existem as palavras superintendente ou Polícia Federal [na reunião]”, garantiu. De facto, Bolsonaro refere-se à PF do Rio de Janeiro como “segurança do Rio” durante a reunião, segundo as fontes.

Bolsonaro negou também a existência de qualquer investigação a membros da família e esclareceu que a sua única preocupação é com a segurança dos familiares.

O advogado de Moro, Rodrigo Rio, afirmou que o conteúdo da gravação “confirma integralmente as declarações do ex-ministro” e disse ser “de extrema relevância” que o vídeo seja divulgado publicamente.

A reunião de 22 de Abril foi citada por Moro durante o depoimento que prestou na semana passada como prova de que Bolsonaro queria trocar os comandantes da PF por causa de investigações a familiares. Dois dos filhos do Presidente estão envolvidos em investigações. O vereador Carlos Bolsonaro é suspeito de orquestrar uma campanha de disseminação de notícias falsas a partir do Palácio do Planalto para denegrir a imagem de adversários políticos do Governo.

O senador Flávio Bolsonaro está a ser investigado pelo envolvimento num esquema de desvio dos salários dos seus assessores enquanto era deputado estadual pelo Rio de Janeiro.

Quando apresentou a demissão, a 24 de Abril, Moro justificou a sua saída do Governo com a insistência, que se prolongava há vários meses, de Bolsonaro em trocar responsáveis da PF. Desde que Moro saiu, o Presidente tentou nomear o actual director da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, um amigo da família e homem de confiança do Presidente, como director-geral da PF.

A nomeação foi bloqueada por uma decisão do STF, e Bolsonaro acabou por desistir da ideia, decidindo então colocar à frente da PF o “número dois” de Ramagem, Rolando de Souza, que no primeiro dia do cargo substituiu o superintendente da polícia do Rio de Janeiro.

A última palavra em relação ao andamento da investigação às alegadas interferências de Bolsonaro na PF cabe ao procurador-geral, que, depois de estarem concluídos todos os testemunhos que podem até incluir o do próprio Presidente — deverá decidir se apresenta uma acusação formal contra o chefe de Estado. Se assim for, ainda é necessária uma maioria de dois terços na Câmara dos Deputados a favor para que Bolsonaro seja julgado.

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