Cuidados de saúde primários na era digital

As potencialidades da medicina digital para reduzir as deslocações dos doentes com maior risco de consequências graves da COVID-19, assegurando assim o acesso aos cuidados, colocam a utilidade destas tecnologias num patamar praticamente inquestionável.

Os cuidados de saúde primários são um dos pilares da prestação de cuidados de saúde do nosso Serviço Nacional de Saúde, sendo desafiados desde sempre para adaptações aos “novos mundos” que vão surgindo, num caminho meritório e notável.

Várias etapas foram percorridas no que respeita à adoção digital, nomeadamente de software de apoio ao desenvolvimento das atividades, desde a introdução do Sistema de Informação Nacional dos Cuidados de Saúde Primários (SINUS), ainda pelo antigo Instituto de Gestão Informática e Financeira do Ministério da Saúde (IGIF), à introdução do Sistema de Apoio ao Médico (SAM) e, mais recentemente, o SClínico ou a Prescrição Eletrónica de Medicamentos (PEM), entre outros.

No entanto, este não é (e não foi) um caminho fácil. Hoje o problema deixou de ser o acesso à tecnologia, e passou a ser sobretudo a sua estratégia, planificação e implementação. É exemplo maior o elevado ritmo de desenvolvimento de aplicações específicas, que conduziu a um cenário de existência simultânea de diversas aplicações para fins próprios e, em muitas circunstâncias, não integradas e que nem comunicam entre si. Este panorama agrava-se quando se pensa num processo integrado ao longo do continuum de cuidados em diferentes níveis e com diversos prestadores. A diversidade das inúmeras aplicações ao dispor de quem trabalha nos cuidados de saúde primários coloca desafios diários na sua interoperabilidade e, naturalmente, no tempo destinado e qualidade da relação entre o profissional de saúde e o utente.

Os ganhos obtidos pela atual vertigem do registo – basta imaginar a quantidade de ações desenvolvidas, multiplicadas por dezenas de milhões de contactos realizados – fazem pensar que as vantagens deveriam ser mais evidentes e melhor aproveitadas. A criação de valor a partir da informação gerada constitui, no entanto, um desafio por potenciar.

O contexto da COVID-19 evidencia ainda mais este enorme desafio e, simultaneamente, esta enorme oportunidade. Num estudo recente da Escola Nacional de Saúde Pública, 22,4% dos participantes referiu ter faltado a uma consulta agendada durante o período da covid-19, contudo aquele valor subia para 30% no grupo dos idosos. Outro dado interessante do mesmo estudo referia que mais de metade das consultas médicas da especialidade de Medicina Geral e Familiar foram realizadas à distância.

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A Escola Nacional de Saúde Pública e o PÚBLICO juntam-se para comemorar a Semana Europeia de Saúde Pública que, em 2020, é dedicada ao tema Covid-19: Colaboração, Coordenação e Comunicação

As potencialidades da medicina digital para reduzir as deslocações dos doentes com maior risco de consequências graves da COVID-19, assegurando assim o acesso aos cuidados, colocam a utilidade destas tecnologias num patamar praticamente inquestionável. A expansão (acelerada) das consultas não presenciais ou da telemonitorização de doentes crónicos, por exemplo, são evoluções que se antecipam para muito breve e que marcam uma nova etapa na evolução digital nos cuidados de saúde primários, no sentido da generalização da interação entre doentes e prestadores através destas ferramentas. De facto, pode-se estar mais próximo dos utentes estando até fisicamente mais longe. Neste momento, as unidades funcionais de cuidados de saúde primários lutam por encontrar um equilíbrio entre as respostas alternativas existentes, de modo a garantir a melhor qualidade assistencial possível no presente contexto.

Agora que se procura regressar a níveis anteriores de produção e qualidade, sujeitos às restrições que a contenção da propagação da COVID-19 obriga, tudo indica que, no futuro, olharemos para os próximos meses como um período chave de transformação e adoção digital nos cuidados de saúde primários.

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