Encerramento de fronteiras da UE por causa da covid-19 pode aumentar pedidos de asilo e reforçar o Daesh

Relatório da agência europeia que coordena as políticas de asilo alerta para as possíveis consequências dramáticas da pandemia nos países mais pobres nos próximos meses, com destaque para o Afeganistão e a Síria.

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ONU distribui comida na fronteira entre a Turquia e a Grécia Reuters/UMIT BEKTAS

O encerramento de fronteiras na Europa para o combate à pandemia da covid-19, e a possível chegada em força do novo coronavírus às regiões mais pobres nos próximos meses, vão provocar um aumento significativo dos pedidos de asilo e a possível reorganização dos extremistas islâmicos do Daesh. O aviso é feito num relatório do Gabinete de Apoio ao Sistema Europeu de Asilo, que aconselha a Europa a preparar-se desde já para esse cenário.

O estudo da agência europeia indica que houve um aumento dos pedidos de asilo na Europa em Janeiro e Fevereiro, em relação aos dois primeiros meses de 2019, e que depois disso foi registada uma forte queda em Março e Abril, numa altura em que a maioria dos países já tinha em vigor medidas que limitam a passagem pelas fronteiras.

Em Fevereiro, por exemplo, houve mais de 61 mil pedidos de asilo, um aumento de 14% em comparação com o mesmo mês no ano passado. A maioria dos pedidos continua a ser feita por cidadãos sírios e afegãos, mas também há muitos pedidos de venezuelanos e colombianos, cujos números triplicaram em relação ao início de 2019.

Esse aumento manteve-se nos primeiros dias de Março, quando a Turquia não impediu a concentração de milhares de refugiados e outros migrantes junto à fronteira com a Grécia, que respondeu com a proibição de entradas no seu território. Mas, depois disso, os pedidos não pararam de cair. 

“Ao todo, em Março, os pedidos de asilo caíram de forma drástica, 43%, para apenas 34.700, o número mais baixo desde o início de 2014 e acompanhando a aplicação de medidas de emergência por toda a União Europeia”, diz a agência. O número de pedidos desceu mais onde as medidas de emergência foram mais fortes, assinala o relatório.

"Avaliar os riscos"

Mas este efeito das medidas de emergência na redução de pedidos de asilo na Europa poderá ser revertido nos próximos meses, se os países mais pobres, em particular em África e no Médio Oriente, começarem a ser assolados pela pandemia.

“Até agora, os surtos estão extremamente concentrados no mundo desenvolvido”, diz a agência europeia. “Mas as autoridades europeias responsáveis pelo asilo e acolhimento devem avaliar os riscos de o vírus se espalhar nos países com menos recursos, porque nos últimos anos têm sido os cidadãos desses países que mais têm procurado a União Europeia.”

Não há certezas sobre as razões que fazem com que a pandemia tenha consequências mais graves nas regiões mais desenvolvidas, embora as informações disponíveis indiquem que pode haver três factores envolvidos: a maior capacidade para fazer testes nos países mais ricos pode estar a mascarar a prevalência do vírus no resto do mundo; as regiões mais pobres podem estar mais resguardadas por causa de climas mais quentes; e as populações desses países podem beneficiar de maior protecção por serem mais jovens e com menos obesidade.

“Seja como for, não é despropositado admitir que há mais casos do que aqueles que são registados, mas a escala da disparidade é desconhecida”, diz o Gabinete de Apoio ao Sistema Europeu de Asilo.

Se os piores receios se concretizarem, e a pandemia da covid-19 vier a afectar em grande escala os países menos desenvolvidos, a falta de condições de higiene e de cuidados de saúde nessas regiões pode ter consequências dramáticas e levar à fuga de parte das populações – com consequências para a gestão dos pedidos de asilo e acolhimento na Europa.

“Ao mesmo tempo”, continua o relatório, “a suspensão das operações da coligação internacional no Médio Oriente deixou um vazio de poder que o Daesh tenta preencher”, aproveitando-se da falta de preparação dos exércitos locais e do desvio das atenções para o combate ao novo coronavírus.

“Sendo independente, vivendo em esconderijos remotos e com acesso a fontes próprias de alimentação, e usando a energia solar para carregar os seus equipamentos electrónicos, o Daesh já está equipado socialmente e bem preparado para medidas de isolamento”, diz o relatório da agência europeia, que termina com um aviso: “Quando o vírus tiver terminado o seu trabalho, a comunidade internacional poderá regressar à região e deparar-se com um Daesh reagrupado e mais activo no seu autodesignado califado.”

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