O caso da pequena Valentina e a residência alternada

O infanticídio não é, definitivamente, uma questão de género. Do mesmo modo, a residência alternada não pode ser diabolizada porque um pai – ou uma mãe – cometeram um ato criminoso inqualificável.

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Investigações da PJ na casa onde estava Valentina RICARDO LOPES

Foi com choque e consternação que todo o país recebeu a notícia da morte da pequena Valentina às mãos do próprio pai.

A seu tempo se conhecerá a verdade e, em concreto, se a criança foi assassinada pelo progenitor e em que circunstâncias. Até lá, este homem e a sua mulher presumem-se inocentes.

Os filicídios são uma realidade dramática, muito especialmente quando as vítimas são crianças, e a indignação grassou – e bem! – pelas redes sociais, mas logo surgiram dedos acusatórios vituperando os juízes que fixam regimes de residência alternada no caso de pais separados/divorciados, ou convívios contra a vontade das crianças.

Ora, como advogado de família e menores não posso deixar passar em claro esta infâmia. Fazê-lo equivaleria a admitir que qualquer pai – homem, entenda-se – é um potencial homicida dos seus filhos!

A realidade, porém, é bem diversa, como evidenciaram os casos tristemente célebres de Sónia Lima – que afogou as duas filhas em Paço D’Arcos, Caxias – e da mãe da Joana, no Algarve.

O infanticídio não é, definitivamente, uma questão de género.

Do mesmo modo, a residência alternada não pode ser diabolizada porque um pai – ou uma mãe – cometeram um ato criminoso inqualificável.

Ao contrário de muitos operadores judiciários da área da família, não sou um defensor intransigente do regime da residência alternada. Este regime poderá ser uma solução para muitas famílias, mas não para muitas outras. Nalguns casos as crianças devem residir maioritariamente com a mãe, noutros será mais acertado serem entregues ao pai. Só caso a caso se poderá determinar qual o regime que, em concreto, melhor se adequa àquela família em particular.

Independentemente da minha posição pessoal sobre a residência alternada, uma coisa é certa: o triste caso da Valentina não pode servir de argumento aos detratores deste regime, pois um potencial homicida do seu filho não deve ter a criança a seu cargo, seja em regime de residência alternada, seja noutro regime qualquer…

Nos tribunais de família não dispomos de bolas de cristal e as decisões são tomadas, com maior ou menor acerto, com os dados que estão disponíveis e com vista ao superior interesse da criança. E este passa, na esmagadora maioria das situações, por manter contacto com ambos os progenitores após o divórcio ou separação.

A realidade é que a família, malogradamente, nem sempre é o “porto seguro” que deveria abrigar as crianças das intempéries. Por muito que custe admitir, sabemos que é no seio da família que são cometidas as maiores atrocidades contra as crianças… maus tratos, negligência e abuso sexual. Os agressores de crianças são, por via de regra, familiares ou pessoas próximas da família, tal como o caso da pequena Valentina parece, mais uma vez, demonstrar.

Na impossibilidade de vigiarmos todas as famílias, em especial aquelas sem histórico relevante de disfuncionalidade, resta a certeza que o caso desta menina não será, infelizmente, o último.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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