Creches reabrem a vários tempos: “A única garantia é que estarão abertas a 1 de Junho”

Nem todas as creches poderão reabrir no dia 18 e, as que reabrirem, poderão ter muito menos crianças do que o normal. A única garantia que existe é que serão cumpridas todas as recomendações de higiene e que, no dia 1 de Junho, depois de um regresso à normalidade faseado, os pais poderão contar com creches de portas abertas. Fenprof e FNE criticam normas que têm sido divulgadas para a reabertura.

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ADRIANO MIRANDA

Esta indicação fazia parte do plano apresentado pelo Governo para o regresso à normalidade possível conhecido no final de Abril: as creches, que acolhem crianças até aos três anos, podem começar a reabrir já no próximo dia 18 de Maio. O que não quer dizer que todas voltem a abrir portas nessa data: “Se calhar umas não abrem no dia 18, mas no dia 19. A garantia que posso dar é que no dia 1 de Junho todas estarão reabertas”, afirma Manuel Lemos, presidente da União das Misericórdias Portuguesas, que gere uma rede com cerca de 300 creches.

Abrir ou não abrir é uma questão que depende de vários factores e, no caso das misericórdias, não há uma regra que se aplique a todos os casos. “Algumas misericórdias começaram a contactar as famílias” para saber se as crianças voltariam à creche no dia 18; noutros casos, foram os próprios pais que contactaram as instituições para perceber se iam reabrir, conta Manuel Lemos, em conversa com o PÚBLICO.

“Do que me tem chegado é que há de tudo: nas zonas mais industrializadas há muitos pais a dizer que mal as creches abram, colocam lá os filhos. Noutros locais há duas ou três famílias”, exemplifica. “Nesse caso temos de analisar bem, e, se calhar, juntar ali naquela zona uma ou duas creches que irão reabrir. Também é complicado reabrir uma creche e depois ter uma ou duas crianças.”

Todas as misericórdias que tenham um “número suficiente de crianças” irão reabrir nesta primeira fase, diz Manuel Lemos, sem arriscar precisar um número mínimo de crianças, mas apontando para os 10%. A gestão faz-se caso a caso: “Temos remetido para o bom senso, sendo que no dia 1 [de Junho] todas as creches têm de estar abertas.”

No caso das Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), o presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS), Lino Maia, que agrega um conjunto de 1059 creches, diz que “todas irão reabrir”, mas salvaguarda que “não será em pleno” porque nem todas as crianças voltarão às creches, uma vez que “há pais que continuarão em casa” a tomar conta delas.

Lino Maia afirma ainda que, de acordo com uma pequena sondagem feita junto de algumas IPSS, “a frequência não será a 100%”, mas espera-se que algumas crianças regressem.

Um regresso envolto em receios e preocupações

Ao longo dos últimos dias já se foram conhecendo alguns pormenores do “guião” que servirá de “quadro mestre para a reabertura” das creches, como define Lino Maia, feito a várias mãos entre o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e a Direcção-Geral de Saúde, contando com os pareceres de algumas associações, como a União das Misericórdias Portuguesas e a CNIS.

A Federação Nacional da Educação (FNE) defende que as normas para a reabertura das creches devem ser elaboradas em conjunto com os educadores de infância”. “Assim como estão não são adequadas, nem exequíveis”, disse ao PÚBLICO o secretário-geral da FNE, João Dias da Silva. A Federação Nacional de Professores (Fenprof) indicou, pelo seu lado, que “já solicitou uma reunião à ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social para discutir as condições em que se prevê a reabertura das creches e que, a serem as que têm sido divulgadas, não poderão merecer o seu acordo”.

Entre as medidas propostas contam-se, como disse a directora-geral da Saúde, Graça Freitas, na conferência de imprensa de actualização dos dados sobre a covid-19 desta segunda-feira, o desdobramento de turmas, a garantia da distância de segurança durante a hora da sesta ou das refeições ou a criação de circuitos para cada turma. Estas medidas não visam “impedir as crianças de brincar” nem o seu “normal desenvolvimento”, mas antes “minimizar o risco das brincadeiras”. O objectivo é “manter o mínimo possível de meninos dentro de uma sala”. “Não garante que eles não se juntem”, mas permite que se crie “uma espécie de distanciamento social alargado”, esclarece.

Da parte de algumas associações que representam as creches e os profissionais que aí trabalham salienta-se a incapacidade de cumprir com as regras e recomendações da Direcção-Geral da Saúde. Por exemplo, a Associação de Creches e Pequenos Estabelecimentos de Ensino Particular alega que “algumas medidas não são exequíveis nem adequadas”. Por exemplo, afirma-se que não é possível “restringir os movimentos das crianças e a sua aproximação dos colegas” de forma a manter as distâncias de segurança e sublinha-se que as “interacções entre crianças são necessárias ao seu desenvolvimento”. Sobre as distâncias entre berços diz-se, por exemplo, que “as salas não têm dimensões suficientes para tal” e acerca da divisão de turmas alega-se que ao fazê-lo “as crianças deixam de estar com os adultos de referência”.

Também a Associação de Profissionais de Educação de Infância (APEI) manifestou “profunda preocupação” sobre as condições de reabertura de creches dentro de uma semana e afirma que são “profundamente desadequadas”. “Pegar ao colo, olhar nos olhos e deixar que a criança crie empatia através da expressão facial, falar perto da sua cara e acariciar o seu rosto são afectos que constroem e cimentam as interacções e o vínculo entre criança e educador/cuidador. Impedir estas manifestações de afecto ou artificializá-las, com máscaras e distância física, é violentar a relação”, sustenta numa nota publicada no Facebook. “Aprisionar crianças em mesas, espreguiçadeiras ou parques é violentar a criança na sua progressiva autonomia e no seu processo de desenvolvimento, que se promove na exploração do espaço, dos materiais e da sua relação com os outros (crianças e adultos).”

“Os receios são compreensíveis”

Na opinião do presidente da União das Misericórdias Portuguesas, que ainda não conhecia o documento final quando falou com o PÚBLICO, o primeiro rascunho do documento com as recomendações do Ministério do Trabalho e da Segurança Social e da Direcção-Geral da Saúde (DGS) para a reabertura das creches está “muito bem feito”, mas há algumas questões “técnicas que são delicadas” e, por isso, sugeriu algumas alterações.

“Acho que o Governo está a ser sensato nesta matéria”, disse Manuel Lemos. Esta solução trata-se de “uma abertura gradual a partir do dia 18 e faz-me sentido”. Para além disso, o executivo comprometeu-se a “dar apoio” às instituições com creches para que consigam fazer a desinfecção dos espaços e comprar alguns equipamentos de protecção individual, avança o presidente da União das Misericórdias. “O país vai ter de abrir, não pode ficar eternamente fechado” e este pode ser um dos maiores passos.

Neste momento, no entender de Manuel Lemos, muitos pais e colaboradores ainda têm medo. “Esse medo e, por um lado, a consciência de que o país tem de recomeçar a trabalhar, obriga-nos a ter todas as cautelas”, salienta, de forma a recuperar a confiança e poderem reabrir no dia 1 de Junho. Dentro dessas cautelas incluem-se as regras da Direcção-Geral da Saúde sobre a utilização de calçado diferente daquele que é usado na rua e equipamentos de protecção individual que é preciso usar pelos educadores: “Só a DGS sabe e nós seguiremos.”

Já Lino Maia da CNIS afirma que o processo para chegar a uma versão final do documento guia para a reabertura das creches foi “moroso”, mas que o regresso está garantido, uma vez que já há muito trabalho feito da parte dos “dirigentes e trabalhadores” das instituições. Para tratar de crianças entre os zero e os três anos tem de haver “cuidados especiais”, mas “as educadoras de infância estão habilitadas” e, para além disso, “vão ter formação para essas circunstâncias”.

“Os receios são compreensíveis. Não estamos imunes a riscos. São precisas cautelas”, diz Lino Maia, mas garante que “os pais podem confiar nas instituições”. 

O que está a acontecer noutros países?

Portugal não será o primeiro país a voltar a abrir as creches – e em muitos desses países foram adoptadas medidas como as que estão a ser discutidas em Portugal.

As crianças na Dinamarca já voltaram às creches no dia 16 de Abril. Naquele país, os educadores não têm de usar máscara, mas os pais que deixam as crianças na escola não podem interagir com os educadores. À entrada, são os pais que devem ajudar as crianças mais pequenas a lavar bem as mãos.

Em França, os mais novos puderam voltar às salas de aulas esta segunda-feira, rodeados de vários cuidados de higiene reforçados. Por exemplo, todos os brinquedos e lápis têm de ser desinfectados depois de cada uso e, durante os recreios, as crianças devem manter a distância social. Dentro das salas não podem estar mais do que dez crianças. 

Com Clara Viana

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