A desventura de André Ventura

Quando a significância de André Ventura resulta de assumir posições que no passado levaram às maiores desgraças é assustador. Representa, em termos políticos, o que de mais simbólico existe de desventura humana – a perseguição a outros seres humanos.

Os humanos são seres muito especiais. Vêm de muito longe, diz-se que do fundo dos tempos. Quem viu o magnífico filme de Stanley Kubrik 2001: Odisseia no espaço terá certamente registado o instante em que de um grupo de macacos se destaca, e servindo-se de um osso de um outro animal, “dá conta” que o pode usar com violência contra outro. Descobre o instrumento/ferramenta.

Não se sabe com precisão o momento que os macacos se ergueram e iniciaram a sua marcha a caminho de se humanizar.

Sabe-se, no entanto, que esta verdade trouxe grandes dissabores a Darwin e continua a trazer a outros defensores do evolucionismo, dado o poder dos negacionistas que só aceitam a fórmula do Génesis e do casal desgraçado (Adão e Eva) para toda a eternidade devido à sua ambição em querer abarcar o conhecimento, o qual estava reservado à divindade.

Do grupo às tribos, às comunidades, às cidades, às nações e países, foi um longo percurso a desbravar ignorâncias e a abarcar conhecimentos.

Os filósofos gregos, não renegando as múltiplas divindades, defenderam o homem como medida das coisas. Epicuro foi mais longe e lançou a primeira pedra do materialismo.

As mãos que matavam e faziam razias podiam ter outros gestos e acarinhavam. Veio a escravatura e logo se impôs Espartacus.

Na velha Galileia, Cristo era Deus feito homem. São Paulo defendia que todos os homens eram irmãos, mas a própria Igreja se esqueceu dessa irmandade ao adotar as práticas do velho Império romano, incluindo a escravatura.

Portugal e Castela trouxeram a primeira globalização e com ela o colonialismo sustentado em Impérios.

E o mundo humano continuou na sua senda e a rodar, e o que parecia eterno afinal não era.

Vieram séculos de ignomínia com as perseguições aos judeus e hereges, a mando da Inquisição.

O colonialismo foi-se. E ficaram Gandhi e Mandela.

Hitler insistiu na estrela amarela na lapela dos judeus. E abriu fornos de cremação para quem não pertencia à raça ariana, incluindo ciganos e judeus.

Passaram há dias 75 anos da derrota do nazismo. A Europa e o mundo sofreram 50 milhões de mortos.

Parecia que havia um tempo gasto, morto. Mas a verdade é outra. Vozes enterradas fazem-se ouvir com o seu ódio, aproveitando o desencanto de um mundo com tanta desigualdade.

Quando a significância de André Ventura resulta de assumir posições que no passado levaram às maiores desgraças é assustador. A defesa do confinamento dos ciganos, da deportação de Joacine ou outras atoardas sobre o 25 de abril inserem-se num roteiro de aproveitamento político de alguém que se quer apresentar contra o sistema, mas sempre viveu dele desde o futebol à política mais reles.

Representa, em termos políticos, o que de mais simbólico existe de desventura humana – a perseguição a outros seres humanos.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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