Câmara do Porto admite criar mais hortas, mas moradores de Francos vão para lista de espera

CDU instou Rui Moreira a ceder terreno municipal a moradores que perderam hortas comunitárias que cultivavam há vários anos – e a alargar oferta desses espaços na cidade. Proposta foi aprovada, mas maioria não promete dar prioridade a moradores de Francos

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Destruição das hortas de Francos Nelson Garrido

O cenário de destruição e a desolação dos moradores da zona de Francos impressionaram a vereadora Ilda Figueiredo. Dias depois de saber, pelo jornal PÚBLICO, da eliminação das hortas comunitárias cultivadas, há vários anos, por 24 moradores daquela geografia, a comunista visitou o espaço e confirmou o problema. “É devastador, de facto”, comentou esta segunda-feira, pouco depois de a sua proposta de recomendação ter sido aprovada por unanimidade na reunião de câmara. A CDU pedia a resolução do problema destes moradores e o aumento da oferta municipal para criação de outras hortas comunitárias. A autarquia disse “sim”, mas entregou declaração de voto de sabor agridoce: “A prioridade a estes cidadãos é condicionada pelo enquadramento legal que possa ser admitido nesta matéria.”

Já lá vamos. Para Ilda Figueiredo, “toda a gente ficou sensível ao problema” e este pode ter sido o início do fim da agrura que deixou famílias sem um importante complemento no rendimento. Na proposta de recomendação, a CDU adianta mesmo um possível terreno municipal, próximo do bairro de Francos, onde mora a maioria das pessoas que beneficiavam das hortas. “Fomos ver um terreno junto à escola Fontes Pereira de Melo. Está um matagal agora, mas os moradores garantem ser da câmara. É uma possibilidade.”

O resumo feito pela Câmara do Porto da reunião virtual à qual a comunicação social não pode assistir não traduz tanto optimismo como Ilda Figueiredo. Na discussão, o vice-presidente e vereador com a pasta do Ambiente, Filipe Araújo, terá começado por referir que a acção havia ocorrido numa área privada e sem comunicação prévia à autarquia. O vereador reconheceu os “benefícios que as hortas têm para a população” e aproveitou para destacar alguns dos projectos municipais nesta área, bem como parcerias estabelecidas com outras entidades e até de dimensão metropolitana.

No Porto há actualmente cinco hortas – com 144 talhões. No projecto da Lipor há uma “lista de espera de 116 pessoas” só do Porto, mas haverá “mais umas centenas de interessados” de outras cidades. A autarquia, continuou Filipe Araújo, está “permanentemente a avaliar terrenos possíveis quer públicos, quer privados, mas que se destinam a todos os moradores do Porto, e não apenas exclusivamente a moradores de determinadas zonas, como preconizava a proposta da CDU”, lê-se na nota enviada pela câmara. Por outras palavras: os moradores de Francos têm direito a ter uma horta, mas “terão de se inscrever e estar sujeitos às regras de atribuição destes espaços”, independentemente da sua situação actual.

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PAN, BE e Campo Aberto na defesa das hortas

Ainda antes de a proposta de recomendação da CDU ter sido aprovada, já PAN e BE, sem representação no executivo, haviam condenado a acção do proprietário do terreno de Francos e pedido uma intervenção da Câmara do Porto. Bebiana Cunha, eleita pelo PAN, foi a primeira  a manifestar-se: “Num momento como o que vivemos actualmente, é lamentável que não tenha havido qualquer respeito, solidariedade e empatia por estas pessoas, agudizando as dificuldades já existentes”, escreveu numa nota enviada à imprensa. Além de propor à autarquia que encontrasse outro espaço para aquelas pessoas cultivarem os seus produtos, fez também uma queixa formal contra os proprietários pela morte de vários animais que viviam no terreno. O núcleo do Bloco de Ramalde sobe o tom das críticas: além de pedir a intervenção do município e de manifestar solidariedade com os moradores que ficaram sem as suas plantações, diz ter-se juntado na “reivindicação de ressarcimento pelo trabalho realizado, pelo investimento em sementes e pelas colheitas perdidas”.

Para aquele espaço junto ao metro de Francos houve já vários “projectos imobiliários”, continuam os bloquistas, referindo uma central de camionagem, um hotel e estabelecimentos comerciais. Mas o negócio nunca se concretizou e os moradores da zona foram-lhe dando utilidade. Durante todos esses anos, “os proprietários não tiveram a preocupação, nem a despesa, com a limpeza da parte do terreno cultivada, cuidadosamente zelada pelas pessoas”.

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A propósito da destruição das hortas, também a associação Campo Aberto se manifestou: não só contra a “violência injustificada” do acto, mas também para pôr o dedo noutra ferida: a “cada vez menor a área de terrenos, privados ou municipais, que se podem encontrar livres de construção e que poderiam, ainda que transitoriamente, ser utilizados em agricultura urbana”. Tal, denunciam, deve-se à exclusão do Porto da Reserva Agrícola Nacional e na Reserva Ecológica Nacional, uma decisão apoiada num “complexo provinciano, que ainda persiste em alguns decisores, de que a prática agrícola na cidade seria sinal de atraso a erradicar”.

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