A Hora da Europa

Assinalar o Dia da Europa celebrando a ideia de “solidariedade de facto”, proclamada por Schuman há 70 anos e que está na base da ideia de uma Europa unida – eis o Manifesto Nossa Europa, da Plataforma de Cidadania Nossa Europa.

O maior desafio da história da União Europeia

A União Europeia enfrenta o maior desafio da sua história e tem duas escolhas.  A primeira é a afirmação: a resposta a esta crise avassaladora com soluções concretas, rápidas e solidárias, apostando num aprofundamento da integração política, social e económica. A segunda é a passividade: manter tudo como está e reagir a novos problemas com soluções avulsas, velhas e ultrapassadas, conservando o estado de coisas.

O “contra-ataque” que a União Europeia conseguir liderar contra a pandemia da covid-19 vai ser decisivo. Recuar e dividirmo-nos em 27 respostas diferentes ameaça a natureza e mesmo a sobrevivência da União. Ficar parados, bloqueados por agendas políticas ou incidentes burocráticos, alimenta os populismos e os nacionalismos que estão ansiosos por uma oportunidade como esta. Resta-nos avançar, com coragem e com a visão de que de todas as grandes dificuldades surgem oportunidades. Insistir em egoísmos nacionais não é apenas condenável, mas totalmente inútil para o combate que estamos a travar. Tomemos este tempo difícil como uma janela de ocasião para olhar para lá da Europa da crise, mas para a Europa das próximas décadas.

A Plataforma de Cidadania Nossa Europa nasceu da ambição de construir um novo espaço de debate sobre o futuro da integração, onde queremos ver Portugal no “pelotão da frente”. Acreditamos que Portugal só conseguirá liderar com o esforço e o empenho de todos os cidadãos. E essa mobilização não se decreta, mas constrói-se com informação séria, pedagogia cívica e comunicação transparente e eficaz. Neste Dia da Europa, o nosso contributo resume-se a três alertas que, mais que alarmar, pretendem sinalizar a urgência de uma resposta europeia clara em dimensões estruturantes da resposta à pandemia que estamos a combater:

1. Responder à crise sanitária no imediato e aprender para preparar o futuro

Em primeiro lugar, o alerta da emergência sanitária. Desta vez, fomos surpreendidos por um vírus desconhecido e estávamos desprevenidos para uma propagação desta dimensão. Em lugar de uma resposta conjunta célere e eficaz, multiplicaram-se abordagens unilaterais e revelaram-se incapacidades estruturais que não basta identificar hoje (como o Parlamento Europeu reconheceu na sua resolução de 17 de Abril): precisamos corrigir para antecipar situações semelhantes, no futuro. Não pode voltar a acontecer.  Quando caminhamos para o desagravamento das medidas de confinamento social dos europeus, prevemos que outro surto possa ser inevitável. Não teremos desculpas para falhar na resposta a esse eventual surto nem em futuras situações semelhantes. Está na hora da União Europeia aprofundar a integração em matéria de saúde pública e protecção civil. Os grandes desafios do séc. XXI não conhecem fronteiras, como esta pandemia está a demonstrar. Por maioria de razão, também as soluções não podem estar confinadas a linhas administrativas que não significam nada para este ou outro vírus, para ameaças do mundo digital ou para efeitos de crises económicas em mercados progressivamente mais interdependentes.

Foto
A União Europeia enfrenta o maior desafio da sua história REUTERS/Petr Josek

2. Reconstruir a economia: não deixar ninguém para trás

Em segundo lugar, o alerta da solidariedade. Se é verdade que o choque económico desta crise é simétrico e transversal, também é verdade que o seu impacto pode ser assimétrico e desigual. A coesão económica, social e territorial na União Europeia é mais do que um simples brocardo, mas um objectivo fundamental que se concretiza em políticas concretas. Não sabemos ao certo a dimensão da crise económica que resultará do bloqueio generalizado das nossas economias, mas sabemos que enfrentaremos uma recessão severa e que abandonar os Estados-membros a soluções nacionais ou parcelares é o mesmo que arrastar alguns deles para um caos que pode colocar em causa o mercado interno, a moeda única e as liberdades de circulação. Fomos capazes de construir respostas para crises financeiras e mecanismos capacitados para lhes fazer face.  Está na hora de colocar o mesmo empenho na criação de soluções para crises económicas, para defender os empregos e os rendimentos dos trabalhadores, a mais-valia das empresas e cadeias de produção e o valor acrescentado de sectores estratégicos. Esse trabalho exige um compromisso de solidariedade entre Estados-membros. Porque essa solidariedade é um valor que nos define, mas também um investimento racional nos países e nas suas economias. No fundo, é um investimento nas pessoas e nas suas famílias. Precisamos transformar anúncios e resoluções em realidades concretas e para isso precisamos que os governos dos Estados-membros façam o primeiro desses investimentos: de confiança nas instituições europeias e nos seus pares. Cada dia que passa, empresas e empregos desaparecem. Não podemos perder mais tempo em reuniões, porque é urgente gastar esse tempo na execução das respostas possíveis nesta circunstância.

3. Defender a democracia e o Estado de Direito

Em terceiro lugar, o alerta do sobressalto democrático. Vivíamos, antes da pandemia, um tempo de ameaças veladas à Democracia e ao Estado de Direito em alguns países europeus. Esta pandemia justificou a declaração de estados de emergência que não podem, em circunstância alguma, ser uma porta aberta à instituição de ditaduras ou afirmação de “democracias iliberais” que nada mais são que embriões de autocracias. Como afirmou uma vice-presidente da Comissão Europeia: “o vírus não pode matar a democracia.” A União Europeia é um clube de democracias e não podemos transigir em nenhum caso concreto, por mais desconfortável que seja a uma ou outra família política. Em alguns casos, o caminho é a violação da separação de poderes; noutros, a perseguição à imprensa livre; noutros, ainda, a alimentação do cancro da corrupção. Não basta à União Europeia proclamar os seus valores nos Tratados e na Carta dos Direitos Fundamentais: é preciso que esteja à altura dessas proclamações com a coragem de impedir a limitação dos direitos e das liberdades dos cidadãos. Está na hora da União ter um sobressalto democrático e ser firme na determinação de consequências claras para quem tem projectos de poder absoluto que não têm lugar na Europa em que acreditamos.

No Dia da Europa afirmamos: esta é a Hora da Europa!

Neste Dia da Europa façamos mais que evocar a história que se fez: alertemos para a história que está por fazer.  Vivemos um momento histórico que nos convoca a todos para fazer parte da solução. Das grandes decisões do Conselho Europeu aos pequenos gestos do nosso dia-a-dia, todos temos um papel a desempenhar e é importante sentirmos que o estamos a cumprir. Este é o tempo da cidadania europeia ser sentida como oportuna e consequente. É este sentimento de pertença e de partilha que falta à Europa para se afirmar. Que este seja o momento decisivo para o construir e fazer da Europa um projecto de cidadania que, finalmente, possamos chamar de Nossa Europa. A hora é de avançar, não é de recuar.

Os fundadores da Plataforma de Cidadania Nossa Europa

André Machado
António Fontaínhas Fernandes
António José Seguro
António Pedro Barbas Homem
Carlos Coelho
Carlos Moedas
David Lopes
João Ascenso
Leonor Beleza
Lídia Pereira
Luís Marques Mendes
Luís Pedro Mota Soares
Luís Represas
Marisa Matias
Miguel Poiares Maduro
Nuno Severiano Teixeira
Paula Vaz Freire
Paulo Sande
Raquel Vaz Pinto
Rebecca Abecassis
Rui Marques
Rui Tavares
Viriato Soromenho-Marques
Zita Seabra

Sugerir correcção